No passado dia 23 de Fevereiro coloquei aqui um post sobre a ligação telefónica entre Lisboa e Porto. Nesse dia, fazia-se a primeira ligação entre as duas cidades. Isto tendo em conta que o serviço telefónico foi empregue no fomento das indústrias culturais. Hoje, com uma oferta tão variada de telecomunicações, sorrimos perante tal anacronismo. Mas tudo começa humildemente!
Ora, se a ligação entre as duas cidades se fez nesse longínquo 23 de Fevereiro de 1904, o certo é que oficialmente os serviços começaram faz hoje cem anos, 11 de Abril. Entre a experiência e o acesso público demorou algum tempo. Era objectivo dos responsáveis do Estado inaugurarem o serviço telefónico no dia de Páscoa, a 3 de Abril. Mas as ligações telefónicas oficiais só se dariam uma semana depois (e, cem anos depois, coincidia com o dia da Páscoa!). O Jornal do Comércio, de 7 de Abril, anotava a partida do conselheiro Paulo Benjamim Cabral, inspector-geral dos telégrafos, para o Porto, “a fim de assistir à inauguração da linha telefónica”.
Na sua edição de 8 de Abril, uma sexta-feira, lia-se no Diário de Notícias: “Amanhã e domingo poderá a referida linha ser utilizada gratuitamente para subscritores das redes telefónicas das duas cidades”. E dois dias depois, o mesmo jornal destacava a grande quantidade de “chamadas pedindo a ligação, tanto duma como doutra cidade”. O jornal O Século, de 12 de Abril, indicava que o serviço público se iniciara às oito da manhã do dia anterior, uma segunda-feira, “transmitindo-se pouco depois o primeiro despacho”. Escrevia-se a notícia empregando um vocabulário obtido de empréstimo da linguagem dos telegramas (texto a partir do meu livro Olhos de boneca, editado em 1999, pela Colibri).
Na época em que se anunciavam os preparativos para o arranque da ligação telefónica entre Lisboa e Porto, inaugurava-se o monumento ao médico Sousa Martins no Campo de Santana (Diário de Notícias, 7 de Março de 1904) e os armazéns Grandella faziam grandes descontos (abatimentos), porque chegava a época dos tecidos para o Verão – compravam-se os tecidos para fazer as peças de roupa, o que demorava o seu tempo, pois ainda não havia surgido o pronto-a-vestir. A 6 de Março, Alberto Bessa, jornalista do Diário de Notícias, dava uma conferência sobre a origem e desenvolvimento do jornalismo, a propósito da inauguração da Sociedade Literária Almeida Garrett, à rua da Condeça [já referido neste blogue].
O jornal O Século anunciava o lançamento do romance histórico de António Campos Júnior, A filha do polaco, após o sucesso da sua publicação em folhetim nas páginas do diário. Na mesma altura, uma peça baseada no Amor da Perdição, de Camilo, em representação no teatro D. Maria, era questionada pelo crítico de teatro do Diário de Notícias; para ele, havia outras distracções melhores.
Por seu lado, os comerciantes insurgiam-se contra as propostas da Fazenda (ministério do Comércio), em grandes manifestações por todos os cantos do país. Em causa estava a reforma pautal referente aos direitos de importação e exportação, e que custaram, poucos dias depois, a demissão do ministro Teixeira de Sousa. Interessante é o modo como se reportavam as notícias, muito descritivas e nomeando os principais intervenientes nos protestos. Em Abril, entre os dias 19 e 25, os tipógrafos fariam greve, resultando na suspensão de edição dos jornais durante tal período. No estrangeiro, era a guerra entre a Rússia e o Japão que alarmava a opinião pública. Todos os dias, o jornal O Século incluía desenhos da frente da batalha. A fotografia ainda não entrara nos jornais, embora a Ilustração Portuguesa, pertencente à empresa desse jornal, já a ela recorresse. No jornal, a fotografia era passada a desenho, devido aos processos de impressão ainda utilizados. O mesmo O Século, em Abril de 1904, informava em pormenor a viagem que o monarca espanhol, Alfonso XIII, fazia então por várias cidades do seu país.
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