SOBRE OS WEBLOGS – V
Como resultado suplementar do trabalho aqui produzido, tenho pensado muito na caracterização sociológica da blogosfera. Apesar de se tratar de um terreno recente entre nós – o conhecimento público amplo tem perto de um ano –, já existe bastante material empírico para a caracterização dos próprios blogs. Claro que o ideal é fazer um trabalho sistemático junto dos blogs (inquérito para saber os objectivos de cada bloguista, o seu campo profissional ou académico, expectativas e ligações pessoais ou de interesses a outros blogs.
Trata-se de uma tarefa aliciante que importa desenvolver. Quem sabe se não estão a surgir propostas de teses de mestrado sobre esta matéria? Por mim, gostaria que algum(a) aluno(a) do mestrado de Ciências da Comunicação da Universidade Católica agarrasse este tema fascinante.
Fases da blogosfera
Passada a fase de entusiasmo inicial – os bloguistas pioneiros –, em que entraram e saíram da blogosfera variados entusiastas, assiste-se a um consolidar da actividade, embora em termos amadores (actividade feita em tempos de lazer, não profissional). Provavelmente, alguns dos bloguistas entram numa fase de consolidação de conhecimentos, onde criam um nicho de actividade profissional. Quase em simultâneo, ocorre a terceira fase, a das especializações. Destaco nomeadamente as especialidades ligadas ao jornalismo e media, arte e cultura, e política.
Mas esta definição mais fina do objecto de trabalho dos blogs implica uma quarta etapa, a dos círculos ou redes bloguistas. Por exemplo, o curso de jornalismo e comunicação da Universidade do Porto fomentou a criação de blogs ligados ao cinema e outras áreas, em que os bloguistas se movem em círculos próximos de citações uns dos outros (Arte_factos, Pipoca Blog. Fora deste circuito, mas ainda ligado ao cinema, destaco: Grande Plano e O Tronco da Teia. Aliás, não deixa de ser curioso o acto fundador do blog Grande Plano: "Não gostamos particularmente de blogs, mas neste formato encontramos a facilidade de fazer algo que nos fascina e que temos feito, de uma forma ou de outra, em variados suportes ao longo do tempo: escrever sobre cinema, de forma despretensiosa. Não nos consideramos críticos. Escrevemos com paixão e gostamos de reflectir sobre as imagens que vemos. Tentamos ser honestos e não ser redutores. Afinal, conhecemos também o peso da crítica sobre o resultado do processo criativo. Ficam então as deambulações; sobre os filmes, sobre a indústria, sobre o mercado".
Os blogs de rádio são um exemplo desses círculos (Blogouve-se, Jornal Rádio e A Rádio em Portugal). Tais círculos são concêntricos (citações mútuas de um conjunto de blogs) ou excêntricos (blogs que visitam círculos distintos e intervêm irregularmente nos comentários).
A caracterização dos blogs passa também por rankings (qualidade estética do blog, informação nova), no que defino como blogs de culto ou de referência. (os meus blogs favoritos). Os quadros de referência assumem-se também nos comentários. Distingo dois tipos: um descentralizado ou em roda, com alguém a lançar um comentário, sem interferir posteriormente; outro centrado no responsável ou moderador do blog, em que o bloguista recebe e dá resposta pessoal aos comentários. Dos blogs que mais sigo ultimamente, poderia dizer que a Janela Indiscreta é componente do primeiro modelo, enquanto Nocturno com Gatos pertence ao segundo.
Porque têm uma estrutura leve, os blogs funcionam como veículos produtores de informação e de gostos e posições. Sem um código rígido de ética e normas de marketing e vendas, que inibem ou facilitam perspectivas, o bloguista fica com liberdade de escolher – e de seleccionar. O material elaborado é, assim, com opções mais amplas – no conteúdo como na forma.
Embora sem dados estatísticos, parece-me que grande parte dos blogs é propriedade de uma população urbana, já habituada a redes informais de electrónica, com elevados padrões de consumo de bens culturais (cinema, televisão, exposições, jornalismo). Os blogs indicam, pois, um novo público de cultura.
Dos fãs à transparência
Os blogs constituem um sistema de reconhecimento e identidade dos grupos sociais e culturais, o da constituição de grupos de fãs. Para além da mera definição de aficionado ou coleccionador, o fã dedica muito do seu tempo a acompanhar um movimento ou líder (artista, músico, jogador). No caso da blogosfera, e apesar do menor peso da autoridade quando se fala de um blog, considero que se trata de uma actividade de fãs pela auto-referência e citação simultâneas dentro de uma colecção de blogs, identificados por temas e tendências. Há um sentido de corrente de afinidades e cumplicidades. Apesar do mais baixo índice de autoridade, acima salientado, há alguns blogs de maior ponderação e formação e novos públicos, clubes virtuais de fãs. No caso dos blogs de jornalismo, Jornalismo e Comunicação e Ponto Media são os mais representativos e respeitados. Na área da arte e da cultura, a Janela Indiscreta e a Montanha Mágica são, sem sombra de dúvida, dos blogs mais conceituados, como acentua um texto escrito por Augusto M. Seabra (Público, 4 de Abril de 2004).
Por oposição ao conjunto de blogs considerados sérios, e que eu já elenquei alguns, outros existem pela natural necessidade de conversar e pôr na rede as suas opiniões, sem mais nenhuma condição. Muitos são experimentais ou iniciáticos (de arranque, por ouvir falar de alguém que tem um blog), sem um tipo complexo de aprendizagem. Tal lado experimental indicia o movimento amplo e de liderança difusa, o que torna os blogs uma das formas modernas de comunicação mais amplas e democráticas. Mas, curiosamente, os bloguistas assemelham-se aos editores dos media, pois seleccionam os temas de análise e escolhem dos blogs favoritos. Há, simultaneamente, uma escolha entre o que se põe e o que não se põe no blog e uma dispersão de autoridade, marca distintiva das redes informáticas.
Curiosamente, os blogs têm instrumentos de medida. Um dos mais populares é o “sitemeter”, que quantifica os acessos aos blogs. Assim, há possibilidade de conhecer a origem de quem procura o weblog e quais as páginas de arquivo que se procuram. Posso falar de transparência do sistema, que qualquer bloguista pode ver, disponibilidade oposta à que Turkle falava sobre os computadores em geral.
Sem comentários:
Enviar um comentário