JOGOS DE SIMULAÇÃO: NO JARDIM INFANTIL A VIDA INTEIRA
É este o título de um texto de Patrícia Gouveia saído no número 4 (segundo semestre de 2003) da revista Caleidoscópio, da Universidade Lusófona (Lisboa). Pergunta a investigadora: “Quando estamos a fazer de conta que somos o presidente da Câmara numa cidade imaginária do Sim City, brincamos, tal como Alice no país das maravilhas, simulamos uma realidade, construímos uma personagem que interage com um espaço, mas estaremos a jogar?” (p. 57).
[imagem retirada do sítio SimCity]
O jogo e a indústria de jogos
Todos temos a percepção da importância dos jogos hoje, pois tem uma componente comercial e um mercado que já ultrapassa os números do cinema, conclui um dos estudos editados na revista, e pertencente a Filipe Roque do Vale, docente da Universidade Lusófona. Produzidos por uma parafernália plataformas, indo de computadores pessoais a consolas, telemóveis e televisão interactiva, observa-se uma enorme popularidade e expansão em número de utilizadores e em investimentos tecnológicos (p. 75). Escreve ainda Filipe Roque do Vale: “Os jogos actuais são peças de software produzidas na vanguarda do desenvolvimento tecnológico em que técnicos e criativos exploram os limites da tecnologia”. Os jogos combinam sistemas abstractos e matemáticos com sistemas estéticos e materiais e sistemas sociais, linguísticos e semióticos. Outro tema associado com o jogo é o da dimensão áudio, com os seus efeitos (sonoplastia) e a música (criação de sons, com melodia, harmonia e ritmo), conforme lembra Rui Pereira Jorge, outro docente daquela universidade.
Na apresentação deste número, o seu director, Luís Filipe Teixeira, defende ser esta “a primeira revista científica em Portugal, não só nas áreas das Ciências da Comunicação, que ocupa todo um número sobre este tema” (p. 6), a cultura dos jogos. Jogo e “jogar” são objecto de estudo que ocupa diversas disciplinas, como nota Espen Aarseth, no artigo de abertura e, talvez, o mais densamente teórico. Aareth, da universidade de Bergen, elenca, entre outras, a inteligência artificial, a ciência computacional, a sociologia, as ciências da crítica, análise e história do jogo, a narração, escrita e guionismo interactivos, os sistemas de jogo e sua concepção, o comércio de jogos e a gestão de pessoal.
O jogo pós-vídeo
Para Aarseth, o jogo virou “objecto de estudo humanístico somente depois dos jogos de computador e de vídeo se terem tornado populares”. Até aí, o jogo era visto com alguma condescendência pelas elites estéticas e teóricas, ocupadas com a análise dos campos artísticos da comunicação, caso da literatura, artes visuais, teatro e música (p. 9). Os jogos, no caso em estudo os digitais e de computador, são simulações e estas contêm outros fenómenos como máquinas ou media mais antigos. Aarseth refere outro autor, Konzac, que vê sete camadas diferentes no jogo de computador: hardware, código do programa, funcionalidade, jogabilidade, sentido, referencialidade e sócio-cultura (p. 12). Mas o nosso autor discorda de Konzac, para quem as diferentes camadas aparentavam ter todas a mesma importância. O acto de jogar é mais importante que o hardware.
Por isso, enuncia três dimensões gerais: 1) jogabilidade (acções, estratégias, motivos dos jogadores), 2) estrutura do jogo (regras), e 3) cenário do jogo (conteúdo ficcional, concepção topológica da estrutura do jogo, texturas). E considera que em jogos de estratégia e jogos baseados em reacção, casos de Command&Conquer, Tetris ou Quake, são as regras que dominam o jogo, ao passo que o cenário do jogo prepondera em jogos de aventura como Half-Life e Myst. [imagem retirada do sítio MYSTIII]
Aarseth compara a leitura de um livro ou o visionamento de um filme com o jogar um jogo. Se a interpretação de uma obra literária ou cinematográfica exige capacidades analíticas (p. 19), o jogo é uma actividade performativa, com uma hermenêutica dinâmica. Podemos avaliar um ensaio ou uma interpretação desempenhados por outros, mas, para demonstrarmos “a compreensão de um jogo, apenas temos que o jogar bem”.
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