terça-feira, 18 de maio de 2004

TARANTINO VISTO POR AUGUSTO M. SEABRA

No seu texto ontem editado no jornal Público, Augusto M. Seabra nomeia Quentin Tarantino como sendo um cineasta exponencialmente pós-moderno, a propósito da segunda parte de Kill Bill. Desde sempre tive alguma dificuldade em compreender a designação de pós-moderno [claro, a falta é minha. Em especial, desde o congresso sobre pós-modernismo, ocorrido nos longínquos anos de 1980, à volta do papa Eduardo Prado Coelho, nas Belas-Artes ao Chiado, e quando o jornal Expresso saído no sábado do evento o designava por "pós de modernismo"]. Mas Augusto M. Seabra ajuda a compreender o pós-modernismo, quando escreve que Tarantino pratica uma nova cinefilia, "aprendida e praticada já não nas cinematecas, como na geração da «nouvelle vague», não nas escolas de cinema, como os «movie brats» dos anos 70, mas nas lojas de vídeo". O que pode ser uma paródia, escreve o mesmo crítico, dada a escolha prévia de bocados de cada filme, agravados com a técnica do rewind e do fast forward. É como se fosse o sampling na música de hoje.

Assim, Kill Bill vol. 1 seria uma colagem de referências: Jean-Luc Godard, Sérgio Leone, cinema de animação, jogos vídeo. Já o vol. 2 se apresenta como o das personagens falantes. Na realidade, não há as matanças da primeira parte, como as cenas do restaurante, e o vol. 2 explica-nos a essência assassina de Beatrix a noiva, quem é Bill, qual o papel do mestre de artes marciais - isto é, quase tudo o que ficou em suspense na parte 1 - , embora ainda passe pelas mortes de Budd e Elle Driver (e também do mestre de artes marciais). O final, o da recuperação da filha julgada inexistente, é feliz. Para Augusto M. Seabra, a noiva ultrapassa a fase do luto e consuma o seu gesto de vingança não através da luta com a espada feita por Hattori Hanzo mas tão só por um duelo "falante".

Um pormenor interessante é o piscar de olhos à assistência do cinema por parte da noiva Beatrix (interpretada por Uma Thurman, 34 anos), quando ela conduzia o seu automóvel, presumo que em direcção ao México. Isto no meio dos infindáveis créditos no final do filme, dado que se passou em sítios como Los Angeles, Beijing e México, e houve diferentes equipas de trabalho. Uma mostra, embora discreta, de que o controlo final do filme pode ter escapado a Tarantino, mas em que ele deixa uma marca.

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