A EDUCAÇÃO SEXUAL SEGUNDO O JORNAL 24 HORAS
No pós-férias ainda ando a fazer a digestão das leituras feitas. E não posso deixar de referir o tema de capa do 24 Horas do último dia 11. É sobre a nossa vedeta Fernanda Serrano. Como antetítulo lê-se: "O namoro está OK mas ser solteira é que é bom". Isto a propósito do namoro de Fernanda Serrano (30 anos) com Pedro Miguel Ramos (32 anos, apresentador do Big Brother, de bom gosto estético, pela estória presente e pelas passadas).
A manchete remete para a secção de televisão. Onde se pode ler: "A actriz que faz de Mónica em «Queridas feras» confirma que vai tudo às mil maravilhas, sobretudo quando Pedro a vê fazer as cenas mais íntimas na TVI. «Ele respeita muito o meu trabalho, assim como eu respeito o dele. Não se pode intrometer a vida profissional na pessoal. Portanto criamos logo uma série de reservas em relação a isso»" (p. 55). Se o título da manchete é "Casar para já não!", o título das pp. 54-55 é "Fernanda Serrano vai ficar solteira por mais algum tempo". Claro que não se trata de educação sexual propriamente dita, mas realça uma mudança de hábitos sociais no relacionamento entre pessoas que gostam uma da outra. Haverá ampliação desta mudança quando uma estrela da moda diz que opta por ela?
Há aqui duas questões principais que quero salientar. A primeira é a que gira em torno da novela portuguesa da TVI: Mónica sofre de cancro de mama e por isso aparece com o cabelo rapado, devido aos tratamentos. Mas Fernanda Serrano fez dois em um: o corte de cabelo foi aproveitado para a campanha do banco BPI, onde se vê ela a dar tesouradas ao seu cabelo. Publicidade, marketing e actividade artística juntam-se no útil e no agradável. O ficar careca, revela, "foi gravado em tempo real, cerca de oito minutos e deu para pensar em muitas coisas". E a estrela acha que ficou parecida com o pai, ao olhar para imagens dele no tempo do serviço militar. O namorado Pedro assistiu às escondidas ao mais radical corte de cabelo da ficção portuguesa. Diz ainda a namorada: ele "percebeu que para mim era muito importante". E salta logo para outras revelações, a de que o final da novela vai ser feliz, porque reencontra David, que lhe escondia o vício do álcool. E que se prepara para entrar num projecto da NBP, uma comédia.
Em suma, há toda a promoção de um espectáculo - a novela - e das estórias de amor e dificuldades dentro do espectáculo. Não se sabe bem onde há ficção e realidade, qual a dimensão pública e privada da estrela. Isto leva à segunda questão, a de que o jornal 24 Horas é um meio embebido na televisão. As suas histórias de capa são permanentemente as estórias da televisão. Que reflectem um país diferente. Basta comparar os títulos de outros jornais editados nessa sexta-feira, dia 11. Se o Público trazia dois títulos, um em que Sampaio apelava ao voto no domingo e outro com uma fotografia de Ray Charles (1930-2004), o Correio da Manhã destacava um caso de saúde (uma morte após duas idas à urgência), a alegria do Euro de futebol e o apelo de Sampaio ao voto, já o Jornal de Notícias trazia o resultado de uma sondagem às eleições e o apelo de Sampaio e o Diário de Notícias dividia-se entre uma lei que trava as investigações judiciárias e as comendas dos Xutos & Pontapés, no 10 de Junho.
Se alguém aterrasse em Portugal, desconhecendo o que cá se passava, ficava-se, na óptica do 24 Horas, pelo namoro de Fernanda & Pedro e pelo terceiro filho de Helen e Figo (este é um casal já "legalizado", com filhos e um outro a anunciar, ocupando toda a página 2, ao contrário do segundo casal, ainda em fase experimental). O jornal está a ser um caso de sucesso. Há alguém que o queira estudar?
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