NÃO VÁ, TELEFONE – PUBLICIDADE E PROPAGANDA DA APT NOS ANOS DE 1930 - 2ª PARTE
Como escrevi ontem, passam dez anos sobre a formação da PT, a partir de outras empresas, e onde colaborei longamente. Para recordar esse evento, continuo a apresentar aqui um capítulo de um texto que escrevi em 1989, Da telefonista à central digital. Trata-se de um texto sobre cartazes publicitários, enquadrado nos objectivos deste blogue.
Artistas plásticos prestigiados colaboram na campanha de promoção, destacando-se Cunha Barros e Carlos Botelho, criadores de cartazes que ainda hoje marcam a imagem empresarial. Cunha Barros desenvolvia uma intensa actividade no domínio pictórico, tendo já nos anos 20 exposto conjuntamente com Stuart e outros pintores modernistas. Por seu lado, Carlos Botelho, o pintor das ruas e casas de Lisboa, foi responsável pela decoração de pavilhões e montras de lojas da companhia.
Preocupações como a expansão do telefone residencial, alargamento a diversos serviços de telecomunicações e qualidade de serviço prestado eram características fundamentais da APT, reflectindo a tentativa organizada de mudança de comportamentos nos modos de comunicação. Com o crescimento das distâncias físicas entre as pessoas e as suas actividades, o telefone substituía o contacto físico. Os principais cartazes de Cunha Barros (“O meio mais rápido de comunicação” e “Não vá... senão de telefone”), deram visibilidade ao confronto de velocidade dos meios de comunicação. O telefone presta um serviço mais rápido do que qualquer dos meios apresentados, prescindindo até do transporte físico do homem. Para isso, basta-lhe enviar a voz, a informação, por um canal mais seguro, isento de perturbações atmosféricas – os fios eléctricos.
O design da mensagem escrita de Carlos Botelho (“Instale um telefone”), o eco denotado pelo seu rodopiar, remete, simultaneamente, para a hélice dos aviões (transporte físico de pessoas) e para as ondas da rádio. Daí o aspecto paradigmático do trabalho de Botelho em termos do cartaz moderno.
A publicidade faz-se em torno da promoção de uma marca, da sua necessidade de expansão, em que, através da informação (a imagem do sino com o logótipo APT, a construção em forma de onda na expressão “Instale um telefone”) e o tratamento estético da superfície (guarda-fios e poste estilizados, tons suaves de azul e amarelo), se consegue uma identificação e projecção de marca.
Angariadores e relações púbicas
Para além das campanhas, a APT enquadrou novos profissionais na captação e publicitação do telefone. A criação de um novo agente comercial, o angariador, enquadrou-se nesta perspectiva. Pequenos negociantes, lojistas e casas particulares foram alvos preferenciais das atenções dos angariadores. Qualquer empregado, fosse guarda-fios, mecânico, telefonista, dactilógrafa ou aprendiz, recebia uma comissão se angariasse novos telefones. Arranjar uma linha de rede significava um ganho de 50$00, enquanto uma extensão ou um indicador de PPC o valor de 10$00. A conquista de um adicional no ordenado ou uma taça de prata eram outros aliciantes a favor dos angariadores.
Em torno do angariador criou-se uma etiqueta e um modelo de comportamento, tornando-o um elemento de relações públicas que promovia a empresa. Primeiro, o angariador considerava-se como sendo o representante de uma grande companhia e prestando um benefício à pessoa ainda sem telefone. Devia ser cuidadoso nas informações a prestar ao público, “não dizendo que durante um mês não pagam nada, ou que tem chamadas de graça além das que lhe competem anualmente, pois tais argumentos além de falsos prejudicam os serviços de cobrança e o bom-nome da Companhia”. Depois, o angariador eficaz não desprezava um único lugar a visitar, além de mostrar um ar convincente nas entrevistas, nunca perdendo “a ocasião de dar a conhecer as vantagens do telefone e os seus preços”.
[imagens de lado e cima: desenhos de Rafael Bordalo Pinheiro sobre a ópera Lauriana, que o rei D. Luís ouvira em casa]
Em termos de comportamento, o angariador precisava de ter boa apresentação, pontualidade, maneiras adequadas, consciência da missão, facilidade de exposição, arte de atrair, decisão e tenacidade como qualidades, fazendo ainda parte do seu perfil o conhecimento dos assuntos telefónicos e a convicção. O angariador usava o tacto sem interromper negócios ou ser inconveniente. A roupa e o asseio eram dados fundamentais, pois, caso contrário, as pessoas contactadas por ele podiam pensar que “não pertence a uma casa de 1ª classe e que não é pessoa de importância”.
Para isso, o código de conduta do bom angariador estipulava que ele tinha de se apresentar com “mãos lavadas, roupa de baixo asseada, fato escovado e calçado engraxado”, evitar o calão, as expressões bruscas ou o acanhamento. Para não esquecer pormenores, recomendava-se o uso de um livro de apontamentos para anotar nomes e situações. Finalmente, a argumentação constituía uma das armas fundamentais: para um comerciante, o “valor do telefone está mais no seu aproveitamento como facilitador de negócios” que para comunicar situações de emergência. Outros valores a veicular pelo uso do telefone eram tranquilidade e comodidade, dando 100% de felicidade, economia, segurança e prontidão, poupando tempo, incómodos e dinheiro, por ser “o infatigável criado da dona da casa e [que] trabalha por um salário mínimo”, levando recados a toda a parte e a qualquer hora.
O serviço público prestado pela APT obrigava ao conhecimento geral da empresa tido pelos empregados, para poderem transmitir adequadamente as informações aos clientes, bem como o tratamento polido que estes devem receber por parte de todos os empregados. “Está lá” ou “Diga” eram frases não recomendáveis no tratamento telefónico com clientes, preferindo-se responder anunciando o nome do empregado ou da secção onde trabalhava. Outra regra de ouro era “não discutir” com o cliente. E a expressão “muito obrigado” não era descabida durante ou no fim de uma chamada telefónica.
Além do angariador, outra face visível foi a do empregado de balcão. As impressões do primeiro contacto são sempre as que mais perduram: “a demora em atender um cliente, o modo como é atendido, a afabilidade, a educação do empregado do balcão, podem muitas vezes decidir do estado de espírito de um cliente. Igualmente influi sobre o público o aspecto físico do empregado. Não se admite um empregado de balcão com barba por fazer ou em mangas de camisa”. O assinante não podia ser encarado como um número em estatísticas ou pertencendo a uma central: ele é um ser humano, e o empregado de balcão tem por obrigação “atendê-lo com prontidão, cortesia e consideração”.
Já nos anos 50, e conforme descrito atrás, o atendimento a assinantes passou a ter um predomínio feminino, com a entrada de jovens assistentes com um mínimo do quinto ano liceal como habilitações. Começava uma nova fase no relacionamento com o público, também designado por relações com os assinantes. Além do contacto directo no balcão, cada empregada possuía uma carteira de três mil assinantes, tratando de todo o serviço telefónico.
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