TELEVISÃO DE PROXIMIDADE [Post especialmente dedicado a 32,97% dos meus leitores, brasileiros ou registados em domínios brasileiros]
No último número da revista Trajectos (pp. 31-35), Raquel Paiva e Muniz Sodré escrevem sobre o modo como as populações periféricas da cidade do Rio de Janeiro conseguem ver televisão. Dada a topografia acidentada, o sinal das ondas electromagnéticas chega a alguns locais apenas por antena parabólica. Mas, mesmo assim, não chega a todos os sítios ou não oferece uma boa qualidade de recepção em muitos dos canais.
A alternativa é o recurso à televisão por cabo. Aqui entra o que os autores chamam de "jeitinho brasileiro" [parece que os portugueses têm um modo semelhante, o "desenrascanço"], na criação de uma rede de cabo clandestina, cobrando uma taxa mensal a cada "assinante" e retransmitindo a programação para a vizinhança. Apesar de ilegal, o procedimento tornou-se usual. Surgiu, então, o Movimento dos Antenistas, que já realizou um seminário, reunindo dirigentes políticos e representantes da sociedade civil. O que querem os antenistas? Primeiro, sair da ilegalidade, através de uma legislação específica. Segundo, e mais importante para Raquel Paiva e Muniz Sodré, ter oportunidade de produzir uma programação mais local e comunicacionalmente mais "democrática". Eu diria de maior proximidade.
Os dois autores citam o movimento da TVRoque, canal produzido por moradores de uma das maiores favelas do Rio de Janeiro, a Rocinha. Há uma operadora de televisão por cabo que se associou, pagando os moradores uma taxa simbólica para receber a programação. Os moradores dispõem de um canal para realizar as suas próprias produções. Nos horários em que a programação incide sobre o quotidiano da favela, esse canal tem uma audiência superior a todos os outros canais. Alguns políticos não gostam da ideia, apenas porque o controlo do meio lhes escapa.
Concluem os autores que o medo da apropriação de um segmento dos media possa alterar as condições em que se democratiza a política, hoje assente na luta por segundos a mais no noticiário televisivo.
Últimos livros dos autores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (pelo menos, os que aparecem no artigo):
Muniz Sodré (1999). Antropológica do espelho - uma teoria da comunicação linear e em rede. Petrópolis: Ed. Vozes
Raquel Paiva (1998). O espírito comum - comunidade, mídia, e globalismo. Petrópolis: Ed. Vozes
Leitura: Trajectos, revista do ISCTE, dirigida por José Rebelo. Número 4, Primavera de 2004. Publicada pela Notícias Editorial. Preço de capa: €12 (comprei um exemplar na Almedina, do Saldanha, por €10,8). O tema do dossiê é "A formação ao longo da vida". O texto que referi enquadra-se num conjunto de quatro com o título de "O encanto da fotografia".
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