sexta-feira, 16 de julho de 2004

[esta é a mensagem nº 200 do blogue]
 
PALEOTELEVISÃO E NEOTELEVISÃO
 
Em texto editado em 2003, Elisio Verón parte dos conceitos desenvolvidos por Umberto Eco (1983), e sua superação filosófica, importantes para a compreensão do dispositivo televisivo desde os seus primórdios até à actualidade. 
 
Ora o que são a paleo- e a neotelevisão? Escrevia Eco que, na paleotelevisão, a televisão operava com a distinção fundamental entre informação e ficção. No caso da informação, o público esperava que a televisão: a) falasse verdade, b) segundo critérios de importância e proporção, c) e separando a informação dos comentários. Já nos espectáculos de imaginação ou ficção (dramas, comédias, ópera, filmes, telefilmes), o espectador aceitava o efeito da constução fantástica. Assim, os programas de informação tinham importância política e os de ficção importância cultural.  Por seu lado, a característica principal da neotelevisão é o facto de ela falar cada vez menos do mundo exterior (o que a paleotelecisão fazia ou fingia fazer) e referir-se mais a si mesma e ao contacto com o seu público.  

Mais tarde, em 1990, e em número especial (nº 51) da revista Communications, organizado por Francesco Casetti e Roger Odin (Télévisions mutations), é revisto o conceito de paleotelevisão, a partir de dois aspectos fundamentais: 1) contrato de comunicação, 2) maneira como se estrutura o fluxo de oferta. O contrato de comunicação é pedagógico. Os programas diferenciam-se uns dos outros, por géneros: ficção, desportos, programas culturais, infantis, etc. A entrada da neotelevisão implica uma mudança do modelo relacional. De pedagógica, a televisão torna-se próxima e acessível. Os principais géneros da neotelevisão são os talk-shows e os jogos. O ecrã torna-se um espaço de conversas e a vida quotidiana passa a ser o referente da televisão.  Multiplicam-se os programas omnibus que misturam os géneros (informação, jogos, variedades, ficção, debate). Aparecem referências de um programa para outros e nos noticiários, em que, por exemplo, se antecipa o programa que vem a seguir. Há também montagens mais rápidas. Na neotelevisão, escrevem Casetti e Odin, não há contrato. O papel dos contratos de comunicação é convidar os espectadores a efectuar o mesmo conjunto de operações de sentido que na realização. Chamam a isto"terceiro simbolizante" (Peirce chamaria de interpretante) [amanhã, colocarei um texto sobre Peirce, inicialmente publicado nas Teorias da Comunicação]. Se a paleotelevisão tinha um contrato, a neotelevisão funciona na base de um contacto.  Dito de outro modo, se, na paleotelevisão, assistir à televisão era um acto de socialização, na neotelevisão passa a ser um acto individualista.

Perspectiva (histórica) de Verón e campanhas eleitorais

Verón não usa as palavras paleotelevisão e neotelevisão, pois acha que se está a entrar numa terceira etapa. Assim, na etapa inicial, ao longo dos anos 1950 e até finais dos anos 1970, o interpretante fundamental é o contexto social-insitucional extratelevisivo. É a ideia da metáfora da "janela aberta para o mundo exterior". Os anos 1980 marcam a passagem para a segunda etapa, em que a própria televisão se torna a instituição interpretante. Surgem os programas de jogos e os talk-shows. A televisão afasta-se definitivamente do campo político.  Na passagem para o novo milénio, o interpretante é a configuração complexa de colectivos definidos como exteriores à instituição televisão e atribuídos ao mundo individual, não mediatizado, do destinatário. Dá-se a explosão dos reality-shows, para além da crise de credibilidade dos meios informativos. Os participantes dos reality-shows são os alienígenas do planeta televisão, seleccionados como num casting de um produto de ficção televisiva. 

Verón analisa duas campanhas eleitorais bastante mediatizadas: a de 1981, em França, opondo Giscard a Mitterrand, e a de 2002, no Brasil, opondo Serra a Lula. Um dos aspectos mais interessantes neste texto é - a partir de trabalhos de Antônio Fausto Neto, um dos organizadores do livro que me serve de referência para a mensagem, abaixo indicado - a análise às entrevistas individuais aos candidatos às presidenciais organizadas pelos noticiários televisivos. No caso do Brasil (2002), cada candidato sentava-se na bancada onde estavam os apresentadores do programa, com destaque para a estrutura do programa "Bom dia, Brasil" [que eu não conheço]: numa espécie de sala de estar [living-room], bastante ampla, sentavam-se dois jornalistas e o candidato. Este ocupava uma poltrona junto a um dos jornalistas e tinha na sua frente o outro jornalista. A estrutura complicava-se com a presença de um terceiro jornalista, por videoconferência, a partir da capital Brasília.
 
Para concluir o seu texto, Verón destaca o debate final da mesma campanha brasileira (segunda volta ou turno), e que sintetiza a terceira etapa do percurso do dispositivo televisivo: o debate com a presença de eleitores indecisos, seleccionados pelo principal instituto de pesquisa, o IBOPE, representando as principais regiões do país e os diferentes níveis socioeconómicos, e que fazem as perguntas aos dois candidatos. Ou seja, os eleitores estão investidos no papel central do programa de televisão, não havendo intercâmbio entre os candidatos e com reduzida intervenção do jornalista-mediador.
 
Leitura: Elisio Verón (2003). "Televisão e política: história da televisão ecampanhas presidenciais". In Antônio Fausto Neto e Eliseo Verón (org.) e Antonio Albino Rubim Lula presidente, televisão e política na campanha eleitoral. São Paulo e São Leopoldo, RS: Hacker e Unisinos, pp. 15-42 [agradeço à Juliana Iorio, que me comprou o livro na sua deslocação este mês a Campinas, SP, Brasil, por um preço admirável: perto de €7]

AUDIÊNCIAS DE TELEVISÃO NA SEMANA DE 28/6 a 4/7

Segundo a Marktest.com, de 15 de Julho, a RTP1 obteve, na semana de 28/6 a 4/7, 34,9% de share de audiência, seguindo-se a SIC com 25,9%, a TVI com 22,7%, a 2: com 4,5% e o vídeo e outros canais 12%. O maior crescimento face à semana anterior deu-se na RTP1, sendo a lista de programas mais vistos dominada pelo Euro 2004, encabeçada pelo jogo das meias-finais do Euro 2004, que opôs Portugal e Holanda (40,9% de audiência média e 87,2% de share de audiência!), transmitido pela RTP1 a 30 de Junho. O segundo lugar foi ocupado pelo jogo da final, entre Portugal e a Grécia, também transmitido pela RTP1 (37,7% de audiência média e 89,7% de share de audiência).

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