quarta-feira, 25 de agosto de 2004

AINDA SOBRE O BIG BROTHER (II)


[continuação da mensagem de ontem]

O anti-elitismo

Num discurso sobre o futuro da televisão real (25 de Fevereiro de 2002), Gary Carter, figura central da distribuição do programa BB, da Endemol, explicou o sucesso do formato. Para ele, a atitude pública da televisão mudara em duas gerações. O meio deixara de ser aceite como uma fonte inquestionável de autoridade para passar a ser escrutinada por uma envolvente mais crítica e inteligente. No começo da televisão, as pessoas julgaram-na ser o reflexo da realidade objectiva. Um locutor da RTP não era apenas um homem na televisão mas o homem da televisão. A geração seguinte, que nasceu já com a televisão, passou a encará-la como parte de uma cultura em vez do simples reflexo da realidade. Passou a haver mesmo estórias da televisão sobre a televisão, como hoje podemos constatar nas páginas dos media dedicadas a notícias e estudos sobre os próprios media.

A geração mais jovem vive num ambiente multimedia de elevada tecnologia, em que o homem da televisão é somente um elemento. Essa geração não tem a atitude de respeito como tinham os pais ou os avós e sabem que o noticiário, a reportagem ou o documentário são subjectivos e apresentam sempre um certo tipo de tendência.

Na ausência de um quadro de referência do mundo real, os canais de televisão não exercem directamente a autoridade o que leva os programadores a encontrar outras formas de ligar às audiências. A solução, para o dirigente da Endemol, seria encontrar modos de dar maior controlo às audiências sobre o que elas vêem – daí a marca de democracia conferida à televisão do real. Dar às pessoas uma maneira de interagir directamente com os programas de televisão transforma o modo de relacionamento com o meio (Cummings, 2002: xiv). Os espectadores usam a internet e o telefone (fixo e móvel) para ver e interferir no decurso do programa. Não aceitam, procuram construir um caminho. Ou, se quisermos, como acontece com alguns e-books, a narrativa é aleatoriamente construída com a ajuda e as sugestões vindas pelo correio electrónico. Ou como nas telenovelas, em que os argumentistas estão sempre atentos ao que a audiência quer, de modo a estória acompanhar essa escolha.

Observação

Para concluir a mensagem, quero dedicar algumas linhas aos títulos e/ou artigos surgidos nos media impressos, a propósito de Zé Maria. Enquanto a imprensa de referência se manteve circunspecta e com análises sociológicas, ouvindo intervenientes como o patrão da Endemol em Portugal (empresa proprietária do BB) e a apresentadora Teresa Guilherme (que deixou de fazer o programa e se prepara para regressar à televisão pública), a imprensa de televisão e cor-de-rosa seguiu um registo mais individual. Aí aparecem a Marta e a Susana da primeira edição portuguesa do BB: a primeira compreende a angústia dele, a segunda (por quem o Zé Maria manifestara apreço sentimental) lamentou-se não ter atendido o telefonema dele, pois o ajudaria. Numa revista, lia-se que tudo aconteceu porque a namorada o abandonou.

Temos aqui uma narrativa mais perto da novela, com vários intervenientes com sugestões ou pistas para a compreensão do caso. Ao fim e ao cabo – se o Zé Maria está doente, e eu inclino-me para tal, e não para um golpe publicitário – muita da imprensa que “idealizou” o Zé Maria, para que se vendessem as revistas onde se falava no herói do povo, agora transformou-se em imprensa vampiresca para vender mais notícias sobre o já ex-herói. A cereja no bolo é quando um jornal popular imprime um título a dizer que o Zé Maria proibia a imprensa de dar mais notícias sobre ele. Caricato, não?

Leitura: Dolan Cummings, Bernard Clark, Victoria Mapplebeck, Christopher Dunkley e Graham Barnfield (2002). Reality TV: how real is real? Londres: Hodder & Stoughton

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