sexta-feira, 24 de setembro de 2004

CENTROS COMERCIAIS

Tinha em vista fazer uma visita ao novo outlet de Alcochete, designado Freeport e considerado o maior da Europa (não tenho possibilidades materiais de confirmar ou não a informação), com 200 lojas, um complexo de 21 salas de cinema e um anfiteatro para concertos. Fi-lo agora, e eis as minhas impressões.

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O acesso é simples. A estrada, após a ponte Vasco da Gama, foi melhorada e alargada para duas faixas (como está a acontecer na via de acesso ao IKEA, em Alfragide), o que ilustra o modo como as empresas e conjuntos de empresas influenciam os acessos. À entrada, o consumidor ouve nos altifalantes a emissão da Rádio Capital. O outlet está disposto em semi-circunferência e as artérias chamam-se rua do Clautro, rua do Coreto, avenida do Sol, alameda dos Oásis, praça das Estrelas. O estacionamento é ao ar livre, mas também existe um parque subterrâneo pago.

Onde me lembrei de George Ritzer e Roland Barthes

Há ainda muitas lojas por abrir: Zara, Pull & Bear, Benetton, Miss Sixty, Mango, Cortefiel, Levi's, Meskla, Versace (embora outra já esteja aberta), Vista Alegre. Encontram-se lojas de produtos semelhantes ou aproximados umas juntas às outras, como a de sneakers (ténis) Brooklin's e a Adidas, e a zona da restauração. Também a Calzedonia tem uma loja aberta e outra para abrir. O mesmo ocorre com os restaurantes, caso do El Tapas, de cozinha espanhola.

Eu chegara pouco antes da hora de almoço, ido directamente das aulas na Universidade. Dei ainda uma volta e tirei fotografias (havia seguranças por todo o lado, mas não importunaram a minha tarefa). Depois, escolhi o restaurante japonês Hong Sha Long, numa atitude de internacionalização e porque ainda me lembrava do filme Lost in translation, de Sofia Copolla. Trata-se de uma sala ampla, onde corre um tapete rolante (como se fosse uma linha de montagem) com os pratinhos de comida. Para acompanhar, um empregado vestido de quimono pergunta qual o prato principal que se quer e a bebida. Usei com êxito os pauzinhos para comer!

Foi aí que me lembrei de George Ritzer, no seu livro The McDonaldization of society, que acabei de ler. Livro muito crítico para com a comida fast-food, ele assenta que nem uma luva ao restaurante onde fui no outlet. O restaurante possui mesas clássicas, onde me sentei, mas também uma espécie de bancada (que lembra uma manjedoura) mesmo em frente do tapete rolante. E também me lembrei de Roland Barthes, com a sua dicotomia de paradigma e sintagma. O restaurante tem a indicação de "comida à discrição", pelo que se pode comer todos os pratinhos desejados, numa escolha aleatória de variantes dentro de um princípio: a comida que anda no tapete rolante.

No conjunto das lojas, os preços são convidativos para os consumidores. Na loja Valentim de Carvalho há livros desde €1,5, a Calzedonia outlet intimissi vende um biquini por €9,9 (quando o preço seria de €49 a €55). Outra loja tem indicado, para umas calças de homem, o valor "normal" de €45 e "outlet" de €22. Algumas das lojas que vi ostentam a diferenciação de preços em inglês (retail price e outlet price). Em muitas lojas, os descontos podem ir até 50%.

Como diria Ritzer, os artigos são baratos, convidando à sua compra, mas a sua qualidade é apenas média e o design não é, em geral, o melhor (muitas vezes, as peças provêm de colecções que não tiveram saída na época de lançamento). E o que é barato fica caro pois há a deslocação de automóvel e o pagamento da portagem na ponte. E a recriação de ambientes de rua e praças é artificial, pois não há organicidade como se observa no casco histórico das cidades, onde as pessoas que circulam nas lojas moram nas vizinhanças. Além de que há uma grande uniformidade, pois as lojas que existem no outlet encontramo-las em múltiplos espaços.

Quanto ao complexo de cinemas, parece-me um grande erro haver tantas salas (21). Haverá frequência de pessoas que chegue? É certo que o preço ronda os €3,5, mais baixo que os €5 de uma sala aqui no centro de Lisboa. E há um factor suplementar: cada cadeira individual tem incrustado um recipiente apropriado para receber embalagens com pipocas! Mas não podemos esquecer que, segundo dados agora publicados pelo Anuário de Comunicação do Obercom (2003-2004), o número de espectadores de cinema está a baixar (19,4 milhões em 2002 para 18,7 milhões em 2003) enquanto aumenta o número de sessões (522 mil em 2002 para 559 mil em 2003). Ora, a área abrangida pelo outlet não será certamente tão abrangente para encher as salas, mesmo que cada elemento de um agregado familiar se disperse e veja o seu filme favorito.

Alcochete entre o passado e o futuro

Até se dar a construção da ponte Vasco da Gama, Alcochete era quase uma aldeia, mesmo afastada do Montijo. Possui um pequeno centro histórico com um monumento ao rei D. Manuel I, que ali nasceu, e um pequeno cais de embarque para barcos que faziam a ligação regular com Lisboa. Perto, existe um pequeno restaurante, o Alcochetano, onde se serve bom peixe. Já não vou lá há mais de dois anos. A largada de touros na vila é um espectáculo divertido e, claro, arriscado para quem afronta os animais. Com a ponte, as urbalizações cresceram entre Alcochete e Montijo, levando a uma rápida transformação. O outlet Freeport e o Fórum Montijo são os centros comerciais que abastecem as novas zonas mas também a população já residente, o que significa, com toda a probabilidade, a agonia do comércio tradicional local.

As perguntas que não consegui obter resposta são as seguintes: quem visita o outlet? Que poder de compra tem? São visitantes da margem sul do Tejo? Ou vêem da metrópole lisboeta? Ou os que se deslocam entre Lisboa e o Alentejo? Há espanhóis entre os compradores? O outlet de Alcochete não faz concorrência ao outlet do Carregado, situado numa outra via de grande tráfego, a A1? E se o outlet redundar num flop, como parece estar a acontecer ao centro comercial Alvaláxia, junto ao novo estádio do Sporting? Será que temos mercado em Portugal para tantas lojas e centros comerciais? Ou será uma forma de modernidade saloia, quando crescem as críticas noutros locais, apesar do optimismo de Paco Underhill, em The call of the mall. How we shop e que eu gostei muito de ler?

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