sábado, 4 de setembro de 2004

TCHAIKOWSKY – A PATÉTICA

Pergunta-se: porque haverá mais de 50 gravações da 6ª sinfonia de Pieter Tchaikowsky? Qual o encanto da Patética?

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Após escrever, no Outono de 1892, uma sinfonia em mi bemol, que não concluiria mas parcialmente adaptada ao terceiro concerto para piano, Tchaikowsky, em carta ao seu sobrinho Vladimir Davydov, falava de uma nova sinfonia em projecto, a 6ª ou, como é mais conhecida, a Patética (nome sugerido mais tarde pelo irmão), a sua obra nº 74 em Si menor. Esta peça seria concluída e apresentada ao público em 1893, dirigida pelo próprio compositor em São Petersburgo a 16 de Outubro. A estreia não foi auspiciosa. Mas, três semanas depois, a segunda apresentação, sob a condução de Napravnik, foi um delírio.

Só que, entre as duas datas, Tchaikowsky morria. Uns dizem que foi suicídio, outros que foi a febre da cólera que o vitimou. Pensa-se, porém, que tudo foi despoletado por um grande escândalo, associado à sua homossexualidade. A Patética surge como um requiem, que começa e acaba em adágio, numa elegia à beleza e à paz profunda da morte corporal. A sinfonia acaba de um modo tão sereno que nem damos pela sua conclusão.

[imagem retirada da capa do disco editado pela Deutsche Gramophon, com a Wiener Philharmoniker regida por Herbert von Karajan. O texto, que seguiu a informação contida no desdobrável do disco, foi escrito ouvindo a peça do compositor russo]

Germina Reis de Almeida (1922-1999)

1930.jpgA minha homenagem e saudade, no dia do quinto aniversário do seu desaparecimento. Ela não conhecia Tchaikowsky, mas ficam apresentados, neste momento, um ao outro.

Na imagem aqui ao lado, está acompanhada pelo irmão (cerca de 1930). A fotografia terá sido tirada à la minute, embora com alguma preparação (há um pano atrás dos fotografados), presumivelmente em amador na rua de Camões, no Porto, onde a família morava. Saliento o chapéu dela e o boné dele, os sapatos de solas altas e as meias aprumadas de ambos, o vestido e o casaco à altura do vestido nela e o conjunto de calção, casaco e colete nele, sem esquecer a gravata e o lenço no bolso do casaco dele e o pequeno fio, talvez de ouro, com objecto pendente sobre a roupa dela. Os olhares fixos para a câmara são vagamente tristes, denotando um amadurecimento precoce nos dois irmãos: ele com 10 anos, ela com 8 anos.

Mas a fotografia pode também ter sido feita na rua do Paraíso, rua que faz esquina com a de Camões. Conforme diz Zilda Cardoso, em livro que escreveu, na rubrica chamada serviços ambulantes privados culturais: "Os fotógrafos eram frequentadores regulares da rua do Paraíso. Conservo algumas fotografias tiradas por esses homens talentosos e de certo modo mágicos. [...] tanto quanto posso explicar o inexplicável: o mágico enfiava a cabeça num saco preto que prolongava uma caixa de madeira sobre um tripé. Sentávamo-nos numa cadeira em frente a uma certa distância, e ele mandava-nos olhar o passarinho depois de nos compor a cabeça, as mãos, o tronco. Quando estávamos na posição correcta que ele verificava através da lente da caixa negra, premia um botão na ponta de um fio grosso, um tubo, ligado à caixa de madeira e pronto, já estava: tal como nos antigos perfumadores de cristal! Então podíamo-nos levantar e observar as suas manobras".

As "manobras" eram converter o negativo em positivo, o mergulhar e secar da película, e cortar as fotografias com uma tesoura, prontas para uso. O livro de Zilda Cardoso é uma pequena pérola na evocação de costumes e gostos antigos, ela que morava na rua do Paraíso e percepcionou o mundo a partir da sua janela, porta ou passeio da rua. Do mesmo modo que me deu imenso prazer ler este Verão o livro São Paulo de meus amores, de Afonso Schmidt, no Verão de há dois anos coube a vez a este pequeno livro. Afinal, uma cidade ou uma rua são mundos tão diversificados e comoventes, embora a escalas diferentes.

Leitura: Zilda Cardoso. A rua do Paraíso. Recordações de um lugar portuense (1935-1950). Porto: Campo das Letras