CINEMA NA TELEVISÃO, LUGARES DE CINEMA
Decorreu, hoje, conforme eu já anunciara neste blogue, um colóquio integrado no ciclo Falar televisão, organizado pelo CIMJ e animado, como sempre, por José Carlos Abrantes, no Jardim de Inverno do Teatro Municipal de São Luiz.
Estiveram presentes, para além do moderador acima indicado, o realizador de cinema Fernando Lopes, o professor universitário Paulo Filipe Monteiro e a distribuidora Susana Barbosa.
Fernando Lopes, cineasta de longa memória e também homem da televisão, pois trabalhou na RTP desde os seus começos, destacou o seu percurso pessoal. Aí, referiu o período em que foi director do segundo canal e o acordo estabelecido entre a televisão pública e a secretaria de Estado da Cultura para produção de filmes portugueses. Essa oportunidade serviria para descobrir nomes como Pedro Costa e Teresa Vilaverde, entre outros nomes agora consagrados.
O cineasta pontuou também a realidade de hoje, onde é possível constituir uma cinemateca imaginária (aproveitando o título de um livro de André Malraux, O museu imaginário), onde se aproveitam as potencialidades do vídeo e dos vários canais de televisão por cabo, dada a possibilidade de se criar uma cinemateca em casa. E apontou a actual tendência do mercado, que são as receitas obtidas com os DVD, o que aconteceu com os próprios filmes dele, embora o lucro não tenha ido parar aos seus bolsos.
O tema serviu para passagem à segunda interveniente do fim de tarde, Susana Barbosa, sócia da New Age, empresa de distribuição. O vídeo, hoje, tem um impacto maior nos negócios que o cinema, é mesmo o melhor negócio do entretenimento. Na intervenção do terceiro participante da sessão, Paulo Filipe Monteiro, essa ideia ficou mais clara: as três a quatro horas de prime time na televisão arrastam audiências que nenhum outro meio de comunicação consegue. Aliás, a comunicação do professor universitário teria alguns pontos de ironia, ao considerar, por exemplo, a frequência dos espectáculos do teatro aproximada ao dos jogos de hóquei em patins.
Para a representante da New Age, a vantagem do vídeo assume-se logo com o VHS (anos de 1980) e agora com o DVD e o conceito de cinema em casa. A sua empresa surgiu também da memória da televisão que foi buscar parte do imaginário do cinema, numa mistura de séries e de filmes de culto. A New Age aprendeu com a Lusomundo e a Castello Lopes e soube adaptar-se ao boom dos formatos e das tecnologias, combinando a nostalgia do meio e a necessidade de ganhar dinheiro com o negócio. Susana Barbosa considera mesmo que o cinema (o ecrã de cinema) perdeu definitivamente a batalha para o DVD. O crescimento das salas de cinema [e recordo aqui o meu espanto com a quantidade de salas abertas no outlet de Alcochete] e a quantidade de estreias de películas à quinta-feira – género de oito a dez fitas semanais – está fora da lógica comercial racional.
Para ela e para todos os gestores de conteúdos, como se definiu, a televisão e os suportes, entre os quais o vídeo, ocupam 70% da receita, deixando uma margem pequena ao cinema. Ou, na linguagem de novo irónica de Paulo Filipe Monteiro, o cinema serve de publicidade aos produtos que passarão na televisão e no vídeo. Por isso, os guionistas fazem, hoje, menos cenas nocturnas, pois sabem que estas não passam muiot bem na televisão. Aliás, a comunicação do professor e homem do teatro foi de uma grande qualidade, que o relativamente escasso público presente apreciou. Passeando-se pela memória do cinema, ele descreveu o cinema no começo da sua actividade, uma autêntica indústria de massas. Nos anos de 1940, e nos Estados Unidos, a frequência nos cinemas começou a baixar. Aí, apontou várias razões: o arranque da televisão, a perseguição política a argumentistas, a expansão da indústria automóvel que arrastou o fenómeno dos cinemas drive-in (ao ar livre) e modificou a actividade e o seu conceito.
Televisão, cinema dos pobres?
Paulo Filipe Monteiro ainda teve tempo para destacar a tentativa dos estúdios de cinema comprarem os canais de televisão, isto, claro, nos Estados Unidos. Porém, a sua proibição ditou a necessidade de reformular a estratégia dos estúdios, que investiram na passagem dos filmes clássicos para a televisão e na produção de séries para as cadeias de televisão. Em 1960, os estúdios de cinema faziam tantos investimentos em televisão como na sua actividade de origem. A televisão ganharia formatos próprios – directo, reality-show – mas perderia parte da linguagem do cinema, como os conceitos de campo e contra-campo e a montagem era substituída pelo fluxo de imagens sem necessidade de raccord.
Mas cinema e televisão reencontram-se, nem que seja por momentos. Ou, na linguagem feliz de Fernando Lopes, o cinema dos anos de 1940, em Portugal, destinado à pequena burguesia de Lisboa e Porto, dava sequência à televisão, o cinema dos pobres. E o telefilme é a continuação do cinema dos pobres.
[texto editado no dia 22, por volta das 8:30, devido ao servidor Blogger.com ter estado em baixo durante o serão de ontem]
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