GUY DEBORD: SOBRE A SOCIEDADE DE ESPECTÁCULO – II
[continuação]
No seu texto A sociedade do espectáculo, Debord distinguira duas formas do poder espectacular, rivais e sucedendo-se uma à outra. Pela primeira, designada concentrada, favorecia-se a ideologia condensada à volta de uma personalidade ditatorial, acompanhada por uma contra-revolução totalitarista, fascista ou estalinista. Pela forma de poder difusa, levavam-se os assalariados a aplicarem a sua liberdade de escolha no âmbito alargado de novos bens [commodities] em oferta. Esta representava a americanização do mundo, processo que seduziria melhor ou pior muitos países e onde se mantinham formas tradicionais de democracia burguesa. Seguidamente, estabeleceu-se uma terceira forma, uma combinação racional das duas, o espectáculo integrado, que se impôs globalmente. Aplicado ao governo – o governo espectacular –, possui os meios necessários para falsificar a produção e percepção. É o mestre absoluto das memórias, que reina sem ser avaliado e executa sumariamente os seus julgamentos.
Tudo aparece numa singeleza carnavalesca, escreve Debord. Generaliza-se o desaparecimento de toda a capacidade real: um financeiro pode ser um cantor, um advogado um espião, um padeiro pode falar dos seus gostos literários, um actor pode ser presidente. Qualquer pessoa pode juntar-se ao espectáculo, publicá-lo ou adaptá-lo, ou praticá-lo. Como o "estatuto dos media" adquiriu muito mais importância que o valor de qualquer coisa toda a gente é capaz de fazer o que quiser, tem o mesmo direito e o estatuto de estrela.
A sociedade, cuja modernidade atingiu uma etapa de espectáculo integrado caracteriza-se pelo efeito combinado de cinco factores principais: renovação tecnológica incessante, integração do Estado e da economia, segredo geral, mentiras não respondidas, eterno presente. As mentiras não respondidas conseguiram eliminar a opinião pública, a qual perdeu a possibilidade de se fazer ouvir e rapidamente se dissolveu. Isto tem consequências significativas para a política, ciências aplicadas, sistema jurídico, artes.
A manufactura do presente em que a moda é em si, das roupas à música, chega a uma paragem, que quer esquecer o passado e não parece acreditar num futuro, acha-se numa circularidade incessante de informação, voltando sempre à pequena lista de prioridades, proclamada apaixonadamente pelas maiores descobertas. Ao mesmo tempo, raramente surgem notícias do que acontece e muda de importante.
Leitura: Guy Debord (1990). Comments on the society of the spectacle. Londres e Nova Iorque: Verso, pp. 8-13