terça-feira, 22 de março de 2005

CULTURA ARTESANAL E AUTORIA

O texto escrito abaixo reproduz, quase por inteiro, um email que Mário Pires me enviou, e que eu reputo de muito interesse. Ele toca um aspecto que tenho trabalhado nas últimas semanas, o desenvolvimento e a promoção das indústrias criativas (segundo John Hartley, em texto que já aqui destaquei, as indústrias criativas constituem a articulação das artes criativas, como a fotografia e a cultura artesanal, com as indústrias culturais, de reprodutibilidade, através da produção e promoção pelas tecnologias digitais).

Escreve Mário Pires que "um desejo natural dos fotógrafos que levam a sério a sua paixão é mostrar o seu trabalho sob a forma de exposição ou livro. Apesar da importância que a internet tem como divulgadora de obras e autores, um conjunto de fotografias deve ser visto sobre uma forma não electrónica para que possa ser apreciado na sua totalidade. A dimensão da fotografia e a textura do papel ou do meio onde está impressa são parte da obra e é algo que falta quando se vêm fotografias num ecrã".

Ora, o problema da edição fotográfica prende-se "com os elevados custos de produção que estão envolvidos. Na produção gráfica tradicional a qualidade de reprodução depende da gramagem e qualidade do papel, da digitalização das imagens e do controle de qualidade da passagem para fotolito, não esquecendo os ajustes finais. Um livro de fotografias mal impresso é um mau serviço que se faz à fotografia e ao autor, é preferível não o produzir". Das alternativas principais, Mário Pires destaca a impressão "artesanal" em impressoras de jacto de tinta de alta qualidade e o Printing on Demand (PoD), exemplificado no sítio de Antony Rowe.

A tecnologia de impressão digital "permite imprimir o número de cópias de um livro desejadas (de um às centenas), evitando as tiragens mínimas elevadas da tecnologia offset. Envolve no entanto alguns custos associados à produção da matriz dos livros, pelo que a produção de tiragens muito reduzidas faz com que o preço por livro possa ficar elevado e portanto pouco atractivo para comercialização. Também a qualidade da impressão (quando comparada com o offset de melhor qualidade) e a durabilidade podem não ser apropriadas para livros de fotografia, embora esta seja uma área em grande evolução e essa dúvida possa desaparecer em pouco tempo" (continuação do email de Mário Pires).

Com tal tecnologia, há que fazer inicialmente uma pequena tiragem de algumas dezenas de exemplares para diluir o custo de produção da matriz. Mário Pires aponta o caso do profissional que imprime uma cópia da sua monografia (limitada a 100 cópias) quando recebe uma encomenda, utilizando a tecnologia de jacto de tinta: caso do sítio The Luminous Landscape [de onde retirei a imagem seguinte, pertencente a Michael H. Reichmann, autor do sítio]. A "alternativa parece ideal para o autor, já que este só produzirá uma cópia quando for feita uma encomenda e a qualidade de impressão poderá ser muito elevada. Os custos associados estão quase inteiramente nos materiais de produção (tintas, papéis e encadernação)".

Reichmann.jpg

Há um outro custo, o da maquetagem do livro. No caso de Mário Pires, tal não constituirá um encargo em si, excepto o tempo, pois ele possui "os meios necessários para produzir uma matriz que poderá ser utilizada para offset, impressão digital ou artesanal. Para os autores que não dominem essa parte do processo produtivo há esse factor extra em conta". Após a produção do livro e da atribuição de um preço de capa, "há que fazer a divulgação da obra ao público". Os autores publicados por uma editora têm uma melhor divulgação, ao passo que os autores em auto-edição precisam de ser inventivos. O "método mais económico consiste em fazer um site onde se fará a promoção do livro e publicitá-lo on-line o mais possível. Mas embora seja uma forma mais económica de publicitar um livro, os resultados variam muito em termos de eficácia, e isto muitas vezes não tem a ver directamente com a qualidade da obra. Regra geral, um autor já conhecido do público terá sempre uma maior facilidade em gerar o impulso de compra".

Mário Pires indica ainda a série de fotógrafos que produziram um livro colaborativo: toycamera.com. O processo que levou ao livro foi feito através da internet, pois os autores estão espalhados por todo o mundo. Estima-se uma produção de mil cópias, com os custos divididos pelos 26 fotógrafos participantes [no sítio, pede-se para não se fazerem cópias das imagens].



Já a revista/sítio Zonezero, editada pelo fotógrafo Pedro Meyer, iniciou recentemente a comercialização de livros electrónicos a custo reduzido, sem versão impressa equivalente, no que é um caso particular [imagem com o título End of an era, de Pedro Meyer, com data de 2004]. Para o editor de Coyoacan, na cidade do México, o objectivo é aumentar as vendas e divugar os autores: zonezero.

bookatabout1.JPG

Finalmente, Mário Pires anota "o caso de um grupo de artistas que produziu um livro de uma forma colaborativa e posteriormente digitalizou e editou o resultado sobre a forma de livro: lookabout.com. É com este panorama, "ainda com demasiadas incógnitas - conclui Mário Pires - que me surgiu a vontade de editar pequenos livros a partir das minhas fotografias".

Adenda colocada às 21:23: Mário Pires ensina na Escola Prática de Fotografia e tem o blogue Retorta Net.

Sem comentários: