OS JORNALISTAS TÊM MEDO DA BLOGOSFERA
Fiquei com esta sensação depois de ler, de manhã, as duas páginas do Diário de Notícias dedicadas à blogosfera. O título não é tão poderoso - "Revolução da blogosfera pode criar um novo poder" - quanto o começo do lead - "A fronteira que distingue blogues e jornalismo é cada vez mais ténue. [...] Os jornalistas estão abrangidos por legislação própria, que não cobre a blogosfera. Assim, poderão os bloguistas [blogueiros] trabalhar dados como se fossem jornalistas?".
A percepção mais profunda do medo que os jornalistas têm da blogosfera foi a dada na infeliz resposta do jornalista (inteligente) Ricardo Costa, director da SIC Notícias, à pergunta sobre se é importante estudar e analisar a blogosfera: "Não perco muito tempo com a blogosfera. A maior parte dos blogues não tem qualquer interesse e os que têm raramente são os que se armam em «jornalismo»".
Todo o aparato do tema do dia do jornal, escrito por Diogo Sousa e Filipe Morais, gira em torno da relação da blogosfera e do jornalismo. Ora, aquela não é sinónima desta. É uma falácia possível dado que a profissão mais escrutinada e falada - depois dos médicos e dos militares e antes dos políticos - é a dos jornalistas. A blogosfera não é concorrente dos media tradicionais. Para não ser parcial, dou o link de um blogue de adolescentes, Destiiny, onde Jasmiine, nascido(a) a 8 de Maio de 1991, e frequentando a escola secundária de Santa Hilda, em Singapura, narra a sua vida diária, desde o levantar-se às 6:00 da manhã até aos deveres da escola e às curtas férias agora em Março. Trata-se de um diário pessoal - de um registo dos acontecimentos. Ora, Jasmiine não tem as características jornalísticas. Um blogue é isso: um diário.
Das seis fontes nomeadas nas peças que ocupam as duas páginas do Diário de Notícias, cinco são jornalistas identificados com os seus meios, exceptuando José Pedro Castanheira. Este, aliás, tem uma posição muito objectiva quanto ao que pensa que os blogues podem ser: "um sistema de vigilância à comunicação social tradicional". Papel que desempenha na perfeição outro dos citados nas peças, João Paulo Meneses, da TSF e animador do blogue Blogouve-se. Apesar de eu compreender a bondade desse papel, se o jornalismo precisa de sistemas de vigilância isso é o fracasso da actividade.
Entre o poder dos blogues e a necessidade de bem produzir uma notícia
A principal peça do Diário de Notícias apresenta a seguinte tese: "Os blogues têm trabalhado a informação sem limites, legais e deontológicos. Podem também agir como vigilantes e censores à informação dos media. Essa capacidade pode vir a transformá-los num novo poder".
Há, pelo menos duas questões em causa. Primeiro, a maioria dos blogues está alojada num servidor privado, a Blogger.com. Se este fechar, muitos dos blogueiros ficam sem endereço e arquivos. A minha interpretação é que isso significa ter pouco poder. Quem é o detentor do que eu escrevo? Eu? A Blogger.com? Os que me lêem e podem fazer copy and paste? A ideia que se tem de espaço público é a de liberdade e a de igualdade de força. Um jornal, que tem uma estrutura empresarial e que tem fontes próprias de receita (publicidade, leitores, uma marca) tem incomparavelmente mais poder quando comparado com um blogue.
Segundo, pode comparar-se o acesso aos media e aos blogues? Aqueles, na sequência do que escrevi atrás, têm força económica e cultural; estes, têm apenas trabalho voluntário ou funcionam como pequenos palanques egocêntricos para os seus autores. O blogue é um espaço muito individualista e não substitui outras formas de mensagens e estruturas electrónicas, como o jornalismo em linha já existente nas estruturas. Quando muito, um blogue será o equivalente às folhas volantes e anónimas de meados do século XVIII ou XIX.
Das seis fontes mencionadas, também consto do grupo - e agradeço ao jornalista que me contactou e me citou correctamente. Na conversa que mantivemos ao telefone, mais ou menos por esta hora mas ontem, eu também lhe falei de anonimato de muitos blogues, o que elimina qualquer credibilidade ao que se diz.
Curiosamente, nessa ocasião, eu estava na Biblioteca Nacional a fazer pesquisa sobre jornalistas de há cerca de um século. E esbarrei com um comentário de Acúrcio Pereira, que chegou a chefe de redacção de O Século. Na altura do acontecimento, ele trabalhava na concorrência, no Diário de Notícias.
Acúrcio Pereira fora encarregado de cobrir a passagem por Lisboa dos reis da Bélgica. Ele escreveu um texto de fundo e encarregou colegas dele de acompanharem os reis durante o percurso. Mas esquecera-se de mandar fazer a reportagem da saída: os reis tomariam o comboio no Rossio em direcção a Espanha, já de noite. A concorrência não se esqueceu: O Século e A Pátria tinham escalado repórteres para o trabalho. Isso obrigou-o a usar a experiência: telefonou ao ministro dos Negócios Estrangeiros, seu amigo de longa data, e procurou saber que declarações finais os reis belgas tinham feito na chegada à fronteira de Portugal com o país vizinho. O que ele publicou no seu jornal foi exactamente o que os outros jornais fizeram. É que os jornalistas da concorrência haviam também acabado de chegar a Lisboa. Concluía Acúrcio Pereira: "o que me favoreceu foi [o desejo dos] meus colegas de meterem o narizito em Espanha. Deviam ter descido no Entroncamento [...] e passar uma comunicação aos seus jornais pelo telégrafo dos Caminhos de Ferro".
Fonte desta informação sobre Acúrcio Pereira: Oliveira, A. Lopes (1997). Nos bastidores do jornalismo. Braga: Compolito - Serviços de Artes Gráficas
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