domingo, 10 de abril de 2005

BORDADEIRAS

Certamente não vai ficar na história do cinema como uma obra-prima, mas o filme de Éleanore Faucher é de muita qualidade, a começar pela fotografia.

A história é simples. Claire (Lola Naymark) está grávida mas esconde o seu estado (e pensa, após o nascimento do bebé, dá-lo para adopção). Tem um trabalho precário como caixa de um supermercado mas precisa do dinheiro que recebe. A sua paixão de trabalho é a de bordadeira, pelo que se aproxima de Mme Mélikian (Ariane Ascaride), que acabara de perder o filho num acidente de viação.

As duas mulheres acabam por estabelecer uma rede de cumplicidades, até porque uma perdeu um filho e a outra espera um, cada história com a sua carga emotiva [imagem retirada do sítio cinemasmag.com].

bordadeiras.JPG

Há um fundo de ruralidade, de pré-modernidade e de mistura de culturas. Explicando melhor: a história desenrola-se num ambiente fora de um grande centro urbano (a paisagem, a referência a uma ida e volta a Paris num só dia), a profissão é artesanal e Mme Mélikian é de origem arménia. vermeer_la-dentelliere.jpgTrata-se pois da França profunda; daí que não se note a "dimensão política das relações de trabalho, mas [...] uma anulação da conflitualidade", como observa Mário Jorge Torres, na sua crítica de anteontem no caderno "Y" do Público. O mesmo crítico chama a atenção para alguma semelhança entre o filme e o quadro de Vermeer (La Dentellière, de 1670) [imagem retirada do sítio Aux aRtistes peinTres].

Na verdade, nunca há uma queixa, uma crítica à situação narrada no filme, mas uma aceitação - diria, sabedoria - do que vai acontecendo. O bordar, leio na crítica de Vasco Baptista Marques, no caderno "Actual" do Expresso de ontem, acaba por ser "uma metáfora do processo de reparação das almas ou, segundo as palavras da própria realizadora, um «diário íntimo» que «exprime aquilo que habita as personagens»".

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