quarta-feira, 20 de abril de 2005

A INDÚSTRIA CULTURAL EM EDGAR MORIN

morin.jpgA imprensa, a rádio, a televisão e o cinema são indústrias ultra-ligeiras, na perspectiva de Morin (1962: 30). Ligeiras porque usam ferramentas de produção, ultra-ligeiras pela mercadoria produzida: folha de papel, película cinematográfica, onda de rádio. No momento do consumo, a mercadoria torna-se não palpável, dado o consumo ser psíquico. Mas a indústria cultural ultra-ligeira organiza-se segundo o modelo da indústria mais concentrada técnica e economicamente.

A essa concentração técnica corresponde uma concentração burocrática. Um jornal, uma estação de rádio ou de televisão organizam-se burocraticamente. Ou seja: o "poder cultural", o do autor da canção, artigo, projecto de filme, ideia de emissão, encontra-se entre o poder burocrático e o poder técnico. Tendência que esbarra com a exigência do consumo cultural, que quer sempre um produto individualizado e sempre novo. Um filme pode conceber-se em função de algumas receitas standard (intriga amorosa, happy end) mas tem de possuir personalidade, originalidade e unicidade.

Como se consegue tal? A partir da estrutura do imaginário. A indústria cultural procura demonstrar a estandardização dos grandes temas romanescos tornando os arquétipos em estereótipos. Diz Morin que, praticamente, se fabricam os romances sentimentais em série, a partir de certos modelos tornados conscientes e racionalizados, embora sob a condição de tais produtos saídos da série serem individualizados.

O papel do autor no mundo industrializado

Existe outro aspecto que Morin procura ilustrar. A leitura de um jornal liga-se a hábitos fortes, ao passo que um filme precisa de cativar o seu público [está ainda longe do conceito de Flichy, o qual distingue as indústrias culturais de fluxo e de edição]. Por isso, o cinema precisa da vedeta, unindo o arquétipo e o indivíduo. Compreende-se, conclui o sociólogo francês, que a vedeta seja o melhor anti-risco da cultura de massa, em especial no cinema.

morin2.gifMorin destaca também o papel do autor, que a indústria cultural usa na tripla qualidade de artista, intelectual e criador (1962: 41). O criador afirmava-se exactamente no começo da era industrial, e tende a confundir-se com produção. Daí o exemplo dado por Morin: em 1934, o King Features Syndicate encarregou o desenhador Alex Raymond de pôr em imagens as aventuras de um herói, Flash Gordon. Após a morte acidental de Raymond, sucederam-lhe Austin Briggs (1942-1949) e Marc Raboy e Dan Barry [imagem retirada do sítio L'Encyclopédie de L'Agora].

O cinema, arte industrial nova, instituiria uma divisão rigorosa de trabalho análoga à que se opera numa fábrica, onde entram matérias-primas e saem produtos finais. No cinema, a matéria-prima é a sinopse ou o romance a adaptar. A série começa com os argumentistas, os cenógrafos, a que se seguem o realizador, o operador, o engenheiro de som, o músico, o aderecista. A produção televisiva obedece às mesmas regras e a linguagem de rewriting na imprensa denota igual divisão de trabalho.

Curta biografia: Edgar Morin nasceu em Paris em 1921. Filósofo e sociólogo foi, entre muitas outras actividades, director da revista Arguments (1956-1962) e da revista Communications, co-director do Centre d'Etudes Transdisciplinaires (sociologia, antropologia e política) da École des Hautes Études en Sciences Sociales (1973-1989) e presidente da Agência Europeia para a Cultura (UNESCO). Escreveu, entre muitos outros textos, O paradigma perdido (Pub. Europa-América, 1975) e O método (Pub. Europa-América, 1982).

Observação: o livro, onde Morin desenvolve o conceito indústria cultural, ainda no singular, não tem qualquer referência ao texto fundador de Adorno e Horkheimer. O único trabalho citado de Adorno é sobre música. Há ainda textos citados de Horkheimer (Art and mass-culture, 1941) e Benjamin (A arte na era da reprodutibilidade técnica).

Leitura: Morin, Edgar (1962). L'Esprit du temps I. Névrose. Paris: Grasset, 283 páginas

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