quinta-feira, 7 de abril de 2005

NÓS, OS MEDIA - DE DAN GILLMOR

O livro Nós, os media saiu, em Portugal, já este ano. Li, creio, que foi a primeira tradução a partir do original de Gillmor, dado à estampa nos Estados Unidos o ano passado. Curiosamente, a sua leitura despertou-me a lembrança de outros dois, que tinha cá em casa e resolvi fazer uma cópia da capa.

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O primeiro, de Alvin Toffler, Choque do futuro, lançado nos Estados Unidos em 1970 e publicado em Portugal pelos Livros do Brasil (sem data), impressionara-me pela quantidade de dados coligidos na obra. Descobri depois que ele tinha uma batalhão de colaboradores. Li, pela primeira vez, ideias fundamentadas em torno da mudança, transitoriedade, novidade e velocidade. Impressionei-me com a necessidade do indivíduo estar preparado para mudar de profissão ao longo da sua vida activa, como forma de combater as alterações empresariais e do mercado em si. Aquilo que, quando li, me parecia algo estranho, hoje qualquer pessoa o pode constatar.

Um elemento comum a este e ao livro de Howard Rheingold - para além de uma profunda reflexão sobre as tecnologias da comunicação - é o optimismo com que escreveram os seus trabalhos. A comunidade virtual, de 1993, entre nós editada pela Gradiva, numa colecção soberba, em 1996, fala de mudanças já do plano material ou físico para o das redes virtuais. O que outro autor, agora mais na moda - Manuel Castells -, nos tem mostrado com outra ênfase social. Em Rheingold, aprendi a formação das comunidades assentes em redes da internet, com amizades e parcerias de longa duração, e que os almoços e jantares recentes com blogueiros eu posso confirmar.

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Gillmor traz também a marca de optimismo no seu texto. Se Toffler vinha de um domínio mais identificado com a economia e a antropologia e Rheingold da comunidade das ciências exactas, Gillmor apresenta-se como jornalista. Há, em todos os textos, um determinismo tecnológico que dá pouco espaço à compreensão da apropriação social e cultural das tecnologias por parte de quem as usa - como se encontra em Marshall McLuhan. Visível é quando Gillmor se refere às ferramentas de criação (música, vídeo digital) (p. 164), sem olhar para as relações no mercado laboral. Também comum aos três é a capacidade de contarem histórias com exemplos práticos e um esquema de quase suspense, o que não acontece com os autores franceses, mais lógicos ou cartesianos. Mas, nestes, somos capazes rapidamente de extrair uma síntese. Com os autores americanos isso custa-nos mais. Há também um esforço pedagógico nos escritores americanos: eles captam a realidade quotidiana e dizem-nos como actuar perante uma situação determinada.

Código aberto e cidadania

Quando a tradução surgiu, o livro de Gillmor foi muito aplaudido pela comunidade da blogosfera. Vi, em vários blogues, a reprodução da capa, como o faço neste momento. Mas notei alguma displicência na sua análise. Talvez porque saudassem o seu aparecimento e o começassem a ler depois (eu também fiz referência ao livro num post anterior). Olhando agora o livro, sinto necessidade de o desconstruir. Confesso que não me encantou por aí além. Ele conta muita coisa, ensina umas dicas tecnológicas, mostra-se muito entusiasmado embora chame a atenção para alguns desvios (no caso da legislação e no controlo das empresas multinacionais), por vezes confunde blogosfera com jornalismo (mas observa que isso não é verdade: página 234, citando um colega). Sem ser demasiado severo para com Gillmor, a única vantagem que nele encontro relativamente ao texto de iniciação aos blogues de António Granado e Elizabete Barbosa (Weblogs. Diário de bordo, 2004) é a maior quantidade de exemplos práticos.

As últimas páginas são claras: para ele, o livro mostra como a "colisão do jornalismo e da tecnologia está a ter consequências para três grupos de indivíduos: jornalistas; aqueles que são objecto das notícias; público" (p. 228, também nas pp. 15-16) [imagem do autor retirada do seu blogue Dan Gillmor on Grassroots Journalism, Etc.]. Apesar das loas às novidades, Gilmor conclui que os media (os grandes media) ainda estão a precisar de ouvir, de mudar as estruturas verticais, o que se aplica também aos jornalistas. As ferramentas digitais ainda não estão bem aproveitadas pelos jornalistas, mas também pelos gestores e mesmo pelos políticos. Quanto ao "antigo público", como ele chama, tem de ser mais activo e interveniente. Aqui entram os conceitos de jornalismo de proximidade ou cívico e de código aberto, porventura os aspectos mais interessantes do seu livro.

O blogue situa-se num espaço entre o e-mail e a Web, escreve Gillmor (p. 45). Um blogue é postcêntrico (centra-se na unidade e no tempo) ao passo que a Web é página-cêntrica, em que a página é a marca estrutural. E o jornalista cita Jay Rosen, simultaneamente autor que reflecte a blogosfera mas também um arauto do jornalismo cívico, onde se apela ao uso, por parte dos cidadãos, de listas de e-mails, blogues, sistemas de gestão e assinaturas de acesso a conteúdos de outras pessoas para passarem informações úteis às comunidades (p. 42). Para Rosen, o blogue deriva da economia da troca, ao passo que o jornal tradicional é um produto da economia de mercado. Por outro lado, o jornalismo tornou-se um domínio de profissionais, enquanto os blogues são predominantemente amadores. E se até agora, acrescenta Gillmor, os blogues são usados a título individual, o futuro será dos blogues de grupo, a que a adição de som, vídeo e animação vai trazer muitos novos visitantes.

Há uma referência ao Linux e a muitas outras aplicações de software e sistemas operativos livres. Muitos dos utilizadores "contribuem com pedaços do que vai tornar-se um código padronizado. Em muitos casos, o software de código aberto é tão bom, ou melhor, que a variante comercial" (p. 35). Os blogues entram nesta caracterítica de código aberto, pois não estão sujeitos a hierarquias e imposições de controlo do que se faz e não pode fazer. Mas já anteriormente havia a disponibilidade de listas de correio electrónico e de salas de conversação, abertas à intervenção pessoal.

Há recados para a comunidade jornalística, quando Gillmor escreve sobre os riscos da criação de blogues por parte de jornalistas que se querem libertar das suas empresas que os inibem quanto ao tratamento de certos temas (pp. 123-124). Dando o nome ou actuando sob anonimato, há o perigo de despedimento ou de perda de funções. A explicação é que "os interesses individuais exteriores ao jornal não podem entrar em conflito com [...] os deveres profissionais" (p. 124).

Como penúltima referência nesta rapidíssima passagem pelo livro de Dan Gillmor, acrescento que as suas observações colocam-se para além do universo dos jornalistas e alocam áreas como a governação, o marketing, as relações públicas, as empresas e o público. A esperança dele conflui no desejo de um melhor e mais rápido e eficaz jornalismo, capaz de tornar cada um de nós para além do consumidor: o cidadão atento.

Finalmente, um dos tópicos eleitos pelo experimentado jornalista é o dos direitos de autor (copyright). Uma parcela do livro foi publicada na internet como forma de recolher críticas e sugestões. Daí, Gillmor falar em autoria com alguns direitos reservados (p. 230), expirando os direitos de autor ao fim de 14 anos. Contudo, a edição em português traz a indicação "Todos os direitos reservados". Em que ficamos?

1 comentário:

zoto disse...

"Todos os direitos reservados" quanto à edição/tradução portuguesa?

Mas seria preciso confrontar a edição original... Provavelmente também os terá.

14 anos? hmmm...