segunda-feira, 27 de junho de 2005

LISBOA: CIDADE REMEDIADA, ENVELHECIDA, AGARRADA À TELEVISÃO

Retirei esta frase de artigo saído ontem no jornal Público (caderno Local Lisboa), assinado por João Pedro Henriques, que parte de um estudo preliminar de Manuel Villaverde Cabral, investigador do ICS (Instituto de Ciências Sociais). Cerca de um terço da população desta cidade tem um rendimento mensal líquido igual ou inferior a €800 e mais de 50% um rendimento inferior a €1500. Mais de um terço dos lisboetas (35,5%) tem para cima de 45 anos. Em termos de classes sociais, as profissões científicas, quadros técnicos e médios são as mais representativas (41,6%), seguindo-se os assalariados do sector terciário (29,9%), trabalhadores manuais assalariados (14,3%), patrões, dirigentes e profissões liberais (9,1%), pequeno patronato comércio e indústria (3,9%) e trabalhadores manuais independentes (1,3%). Relativamente a práticas religiosas, quase 80% dos respondentes - que nunca aparecem quantificados - declararam ter actividade nula ou rara. O estudo tem o título Cidade & Cidadania e procura traçar um perfil eleitoral dos lisboetas. Daí que se tenha procurado avaliar a exposição da população à informação política: ela vem da televisão, a que se seguem a rádio, os jornais e a internet.

Por questões de trabalho, estou a ler um conjunto de livros sobre públicos de cultura e sua formação. Um dos textos mais antigos mas mais marcantes é o de José Machado Pais, ele também sociólogo do ICS, e colegas, editado em 1994 e chamado Práticas culturais dos lisboetas. Fico-me pela análise ao impacto da informação cultural sobre a população. Mais de 50% desta não tinha conhecimento das principais realizações culturais. Obviamente, trata-se de um estudo com mais de dez anos de existência e os canais de promoção e divulgação da informação cultural aumentaram e podem ter mais sucesso. Retenho outro dado do mesmo estudo: os jovens eram os maiores protagonistas da cultura de saída (consumo cultural fora do lar), uma quase interdição aos de mais 65 anos.

Estes dados são de proveniência diferente e estão desfasados mais de dez anos no tempo. Mas será que mudou? Ou ainda cristalizou mais, no sentido de consumos mais reduzidos dado que a população envelheceu?

Talvez valha a pena reflectir na carta aberta de António Mega Ferreira hoje no Público, em que, a propósito de uma polémica alimentada por um colunista do jornal, ele defende não um casino e três teatros ou um jardim para o Parque Mayer mas uma zona com habitações. Lisboa tem perdido habitantes para as periferias e quem vive dentro da cidade está a envelhecer. Ainda é uma população remediada, mas continuará a sê-lo por muito tempo, à medida que tem mais anos de idade e deixa de ser profissionalmente activa?

Adenda colocada às 21:30

Também há similitudes com a realidade no Porto. Segundo o texto de Augusto Santos Silva e colegas, Públicos para a cultura (2000), no universo dos não-praticantes de cultura, o grupo dos mais velhos representa um valor elevado dos que têm na televisão quase o único elemento de cultura de massa. Mas a televisão penetra em quase todas as condições sociais, com apenas 3% a declararem não a ver. Claro que, quantos mais recursos sociais detidos, menor é a dependência da televisão (2004: 45).

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