CARTAS AO DIRECTOR
Nem sempre é seguro escrever cartas ao director dos jornais. Se estes as publicam, pode haver resposta do jornalista, o que se torna, muito em geral, num pequeno pesadelo para o leitor. Explico melhor.
Recentemente, Adelino Gomes, do jornal Público, editou uma peça sobre Rui Grácio, antigo responsável da educação há 30 anos atrás. Este terá legislado no sentido de serem destruídos, pelo fogo, obras publicadas no regime anterior. Adelino Gomes soubera da história após um colóquio onde esteve presente a propósito do fim do regime de Salazar e Caetano e do começo do actual regime político. A peça tinha notável interesse - podendo dizer-se que se inserindo na pesquisa que ele está a fazer sobre os trinta anos do 25 de Abril de 1974 (aliás, julgo valer a pena a sua publicação em livro, para reunir peças de jornal que, habitualmente, se deitam fora). Gostei do modo como ele abordou o tema, inédito para mim e para muita gente.
Poucos dias depois, era publicada uma carta da família de Rui Grácio, entretanto falecido, acusando o jornalista de não ter contextualizado devidamente a história e não ter contactado a família. No conjunto, o texto de Adelino Gomes e a carta da família, apesar de contradições entendíveis, constituía um conjunto que se esgotava em si. Contudo, o Público fez sair uma nova peça do jornalista e o director do jornal escreveu um editorial sobre o assunto. Tal provocou uma nova resposta da família Grácio, que saíu na secção Cartas ao Director, com uma nota de apêndice de Adelino Gomes.
Desta polémica, pareceu-me positivo a inserção da primeira carta dos Grácio na secção Espaço Público, cujo destaque prova o apego ao civismo e à discussão de pontos de vista distintos por parte do jornal (muito visível quando são publicadas cartas de leitores protestando contra posições do director). Já me pareceu negativo, a reacção do director em editorial e a resposta do jornalista à segunda carta dos familiares do político.
O princípio e norma 95 do presente Livro de Estilo do Público (2005: 37), sobre cartas recebidas no jornal, é, a meu ver, ambíguo. Nele se diz que, o jornalista pode responder se "estiver em causa a verdade dos factos ou acusações à boa-fé do jornalista ou colaborador" (que me parece correcta na primeira resposta de Adelino Gomes). Contudo, o mesmo texto aconselha a que o jornalista evite responder às intervenções dos leitores, para não ficar com a ideia de que "dispõe de um poder discricionário que lhe assegura sistematicamente o direito à «última palavra»" (que me parece o caso do editorial do director e da nota do jornalista à segunda carta dos leitores).
Kulto e Portugal debaixo de fogo
Mas o que me parece mais grave foi a carta saída no dia 10 deste mês, onde a leitora Maria do Carmo Vieira, apresentada como professora do ensino secundário de Lisboa, não foi bem tratada. Na sua carta, ela insurgia-se contra a qualidade da revista Kulto, que acompanha o Público aos domingos. Para mim, ela não foi muito feliz quando escreveu sobre a "apologia da estupidificação" da parte da Kulto, mas sobra uma parte do seu texto, que me parece de uma grande ternura: "Que saudades de O Cavaleiro Andante, revista juvenil, vendida ao sábado, que nos preenchia as tardes, criando-nos e alimentando o gosto pela aventura, pela história, pela ciência, pela literatura e em que tinham lugar também as anedotas, os jogos, a correspondência e tantas outras coisas".
Infelizmente, este mundo parece ter terminado. Ponto final. O inusitado seria a forma como Luís P. Nunes, editor da Kulto, reagiu. Acho que foi arrogante ao escrever "Faz a senhora professora abundantes deduções livres sobre a Kulto [...] Está no seu direito. Contudo, a referida «apologia da estupidificação» não é barrete que nos sirva. [...] a escola, os programas e a qualidade do ensino que se lecciona em Portugal não é tema em que nós nos sintamos à vontade para discutir. Desse assunto saberá com maior conhecimento a senhora professora". Patente é a ideia da "última palavra" por parte do jornalista.
Ao invés desta situação, no Diário de Notícias ocorreu uma polémica sem reacção da sua autora. Joana Amaral Dias, numa coluna que mantém no jornal, acusaria de familiares de políticos de topo estarem a trabalhar na Portugal Telecom (em alguns dos casos, ela pode ter sido injusta). Num dia responde Marcelo Rebelo de Sousa, dizendo que ele aconselhara o filho a procurar emprego noutro sítio. A 11 de Agosto seria o filho de Jorge Sampaio, presidente da República, a escrever contra o artigo de Joana Amaral Dias, referindo, nomeadamente, as notas que tirou no secundário e na universidade, que lhe possibilitam entrada em qualquer local de trabalho. E responde à colunista com a afirmação que "tem um contrato a termo certo, o que me não confere sequer estatuto que permita adjectivar uma relação com o grupo [PT]".
A minha pergunta é: porque não respondeu Joana Amaral Dias? A resposta provável é que ela não é jornalista, logo não tem o peso corporativo dentro do jornal que lhe permita reagir como nos exemplos anteriores.
1 comentário:
Sobre o "direito" à última palavra, penso que ninguém bate o Sr. Miguel Sousa Tavares. Às vezes penso que até deve fazer parte do contrato dele com o "Público". Não há nenhum comentário ou reparo sobre a sua produção que não leve resposta na mesma página, com ou sem pertinência.
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