AINDA O LIVRO DE FILOMENA MÓNICA
Agora que acabei de ler o livro contendo as cartas de António Lobo Antunes à mulher - e que quero aqui comentar - pretendo voltar ao livro de Filomena Mónica, Bilhete de identidade. Memórias 1943-1976. Dois textos recentes na imprensa deram-me o impulso para fazer algumas anotações suplementares.
O primeiro é de Eduardo Barroso, no "DNA" do Diário de Notícias de 9 de Dezembro, com o título Um impulso auto-biográfico. Na parte final do texto diz o médico-escritor: "A coragem que a M. F. M. teve, ao expor a sua vida, desde pequenina, a necessidade de partilhá-la com um universo de leitores que não pode controlar, a curiosidade de tentar perceber as suas origens, não pode ser vista como uma atitude narcisista e muito menos exibicionista. Ela vai despertar em muitos de nós, pessoas normais e banais, uma tentativa de autoanálise que felizmente não se vai ter de pagar no divã de um psicanalista. Apesar de bonita, inteligente, culta e sensível, ela é uma mulher comum, que não chegou a Presidente da República nem descobriu a pólvora". Mais atrás, ele usara praticamente os mesmos atributos, ao considerá-la "uma mulher muito inteligente e culta, com uma sensibilidade muito especial".
Esta perspectiva contrasta com a expressa por Pedro Mexia, umas semanas atrás no mesmo Diário de Notícias, quando ele se referiu a "literatura de intimidade" e procurou comparar Filomena Mónica com Lobo Antunes, com apreciação muito negativa sobre ela. Do seu texto, não ficara pedra sobre pedra acerca da investigadora do ICS.
No dia seguinte à escrita de Eduardo Barroso, aparecia o texto de Ana Sá Lopes, no Mil Folhas" do Público. Desde o título onde se fala do "livro que revolucionou a autobiografia em Portugal" até ao pós-título (destaque), com reforço da ideia de uma "bibliografia indispensável para a reconstituição de uma época".
A descrição da infância, a primeira relação sexual, a ausência da política e o impacto inesperado do 25 de Abril de 1974 na sua vida quotidiana são algumas das selecções da jornalista do livro em análise. Recupero Filomena Mónica nas escolhas de Ana Sá Lopes: "Até aos sete anos, a minha memória tem muitas clareiras (...) Apenas me lembro dos passeios ao Chiado, de eléctrico, com a minha mãe e a minha irmã. Íamos sempre as três impecavelmente vestidas. De Inverno, nós, as crianças, levávamos casacos azuis escuros, luvas brancas e sapatos de verniz; de Verão, bibes engomados, meias de renda e chapéus com fitas de tafetá. Começávamos pelo «Ramiro Leão», no alto da rua Garrett, onde a minha mãe comprava colchetes, botões e rendas".
No fundo do texto, lá vem a apreciação já anotada: "O auto-retrato de Filomena Mónica será, a partir de agora, bibliografia indispensável para a reconstituição de uma época. Perante a enormidade do feito, a polémica em curso na blogosfera e na imprensa sobre a «legitimidade» da revelação dos casos afectivos é, seguramente, uma questão menor".
De modo interessante, convém fornecer um pormenor suplementar. Cada um dos autores que escreveu sobre Filomena Mónica quase que cumpre um último ritual: Eduardo Barroso escreve para um suplemento que será substituido em breve; Ana Sá Lopes, certamente, terá publicado o último texto no Público. No domingo, já não a li ao lado da coluna de Mário Mesquita (que voltou a escrever para os seus leitores comuns e não apenas para os seus correligionários, sendo que aqueles têm uma igual paixão que estes pela política mas podem dispersar-se noutras tendências). Ao que me disseram na segunda-feira ao fim da tarde, mas ainda não vi confirmada na leitura dos jornais, a jornalista estará a deixar o Público a caminho do Diário de Notícias. Isto representa mais um golpe no prestígio do Público, pouco depois da saída de Eduardo Dâmaso para o mesmo Diário de Notícias.
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