terça-feira, 27 de dezembro de 2005

O PORTO E AS SUAS MULHERES

Este é o título de recente livro de Beatriz Pacheco Pereira, em edição da Folio. De que trata o livro? Na introdução, a autora escreve: "O Porto sempre foi uma cidade estranha. Deixa fugir os seus melhores cidadãos para a capital e para o estrangeiro. Só lhes reconhece qualidade quando os ecos chegam de fora. E, para os que ficam, muito frequentemente, não lhes dá condições de trabalho digno" (p. 9).



Mais à frente, reconhecendo a influência, neste trabalho, de Helder Pacheco e Germano Silva, historiadores da cidade, mas também de Mário Dorminski, o marido, e Viale Moutinho, ela descreve como gizou o livro, produto de curtas biografias escritas pelas próprias mulheres: "orientei um pouco o conteúdo dos textos. No primeiro, pedi reflexões sobre o passado. Pedi influências, episódios, professores determinantes, cenas mais ou menos memoráveis da sua vida familiar e pré-profissional. Depois, num segundo texto, uma reflexão sobe o presente e o futuro, tanto a nível pessoal e profissional, como sobre a vida da cidade. O resultado, espero, pode ler-se como uma história social da vida do século XX e deste início do século XXI".

Assim, temos auto-análise de 40 mulheres nascidas no Porto ou que têm desempenhado actividades naquela cidade, nomeadamente sete pianistas (e professoras de piano), cinco cantoras líricas (e professoras de canto), três pintoras, três médicas, três actrizes, duas escultoras, duas coreógrafas e duas realizadoras de cinema. A relação com a cidade, com o ensino, com as outras pessoas, os percursos dentro e fora do país, a recepção nos sítios onde apresentam as suas actividades, as alegrias e alguns fracassos são várias das linhas de força dos retratos pessoais aqui apresentados, tudo muito documentado com fotografias das próprias.

Estas quarenta mulheres poderiam ser outras tantas ou o triplo. Aliás, Viale Moutinho, no seu prefácio, augura um segundo e um terceiro tomo. As mulheres, parece que se descobre de repente, estão em maioria em muitos sítios, a começar pela frequência universitária; logo, elas têm percursos a conhecer e a seguir como exemplos. Ainda na introdução, a autora dá conta de contactos que estabeleceu com mulheres distintas da cidade, que não responderam ao seu pedido ou que dizendo que sim nunca acabaram por enviar a sua história (talvez agora que, com o êxito esperado da obra, elas se arrependam e formulem o desejo de uma nova edição).

O livro de 213 páginas de texto lê-se num serão, como eu fiz ontem. Fico aqui com apenas dois comentários. O primeiro é para destacar a fotografia da família da própria Beatriz Pacheco Pereira, professora, jornalista e uma das fundadoras do Fantasporto (festival de cinema fantástico), em que se vê ela e o seu irmão José, figura conhecida da política e dos media e autor do blogue Abrupto, em 1970 (p. 32). O outro comentário é para registar a voz de Lídia Vieira, escultora de pedra, entretanto falecida: "Recorrendo às primeiras impressões da infância que a memória me devolve, está presente nelas uma ambiência propiciadora de cumplicidades estéticas. Fragmentos de sons, a imagem da minha mãe ao piano a ensaiar todos os dias o seu reportório clássico, tendo-me como a sua mais fiel ouvinte. Concertos, ballet, ópera - na rádio, nos discos e no grande teatro da cidade, à época dinamizador de grandes temporadas musicais" (p. 110).

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