domingo, 15 de janeiro de 2006

AINDA CINTRA TORRES

Quando escrevi a mensagem anterior, e falei do acutilante Eduardo Cintra Torres enquanto crítico de televisão, ainda não lera a sua coluna de hoje (confesso que gostava mais de o ler à segunda-feira, como à sexta-feira me parecia melhor Bénard da Costa).

Cintra Torres começa por falar de Artur Ramos, nascido em 1926 e esta semana falecido, que, "Quando se tornou jovem realizador nos primórdios da RTP, reunia um currículo invejável: formação em filologia germânica e cinema, experiência no teatro em Portugal e na TV francesa. Para uma televisão no seu arranque, o currículo profissional de Artur Ramos era ideal: tinha a sabedoria do ao vivo, propiciada pelo teatro, e a da tecnologia audiovisual. Era isso a televisão no início: teatro e programas em directo". Logo depois, o texto de Torres explica: "Apesar de três gerações tecnológicas de gravação (o filme, o vídeo e o digital), o directo mantém-se ainda como uma das marcas identitárias da televisão".

O teatro na televisão morreu, conclui o articulista. Mas também a ópera, acrescento eu. "Nos anos 50, quando a televisão dava os primeiros passos como media de massas e não tinha ainda a sua própria identidade, o teatro era uma escolha natural. Tinha acontecido o mesmo com o cinema, que manteve uma teatralidade excessiva até quase aos anos 20, e com a rádio e suas adaptações e folhetins". Isto quer dizer, na minha interpretação do texto de Cintra Torres: um novo meio inova mas também se adapta a formatos dos media anteriores.

O último parágrafo do texto citado merece o nome que eu dei ao seu autor: acutilante. Nele lê-se: "Quem diz teatro, diz concertos. Por exemplo, a RTP não gravou em 50 anos um único concerto em palco ou estúdio de Helena Sá e Costa (1913-2006) [também falecida esta semana], personalidade marcante na vida cultural do Porto e do país durante dezenas de anos, principalmente como professora de piano. Fez um programa sobre ela, mas não teve tempo para gravar actuações".

Nem quero acreditar no que o crítico de televisão escreve. Afinal, o serviço público é um bem ainda mais frágil do que eu pensara. A memória que a televisão nos deixa é muito mais ténue que as gentes da cultura e das artes do país merecem. Além da elisão cultural e histórica, anote-se que os perfis para entrar na televisão são distintos, na actualidade. Ainda ontem, no Diário de Notícias, a propósito da nova co-apresentadora do "Programa da Manhã" da SIC, Vanessa Oliveira, lia-se o seu currículo: 24 anos, formada em Relações Públicas e Publicidade, começou a sua carreira em dois reality shows da TVI (Quinta das celebridades e 1ª Companhia) e fez uma pós-graduação em Apresentação em Televisão na Universidade Independente, "onde teve como professores Emídio Rangel e Júlia Pinheiro - como faz questão de frisar" (peça assinada por Marina Almeida).

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