terça-feira, 17 de janeiro de 2006

BIOGRAFIA DO FILME, DE MARK COUSINS

Trata-se de um livro escrito por um conceituado crítico de cinema, produtor e realizador, além de professor na Universidade de Stirling e na Edinburgh College of Art e colaborador de publicações como Sight and Sound, Prospect e The Times. O livro é editado pela Plátano e a tradução pertence a Artur Ramos e Cláudia Ramos.

Na introdução, Mark Cousins diz-nos: "Este livro conta-nos uma história: a da arte do cinema. Conta-nos a história de uma forma de arte que começou por ser fotográfica, fundamentalmente muda, foi depois um misterioso jogo de sombras e se transformou num negócio global digital que move milhares de milhões de dólares" (p. 7). O crítico e autor parte de uma estrutura apresentada numa obra de E. H. Gombrich (A história da arte), a da influência artística de uma geração sobre outra, de um artista sobre outro, no que chama de esquema seguido de correcção, a que Cousins altera para esquema e variações. As ideias sobre a forma, segundo Gombrich, "ziguezagueiam através de um médium, partindo ou distanciando-se daquilo que foram anteriormente" (p. 488).

O livro apresenta três grandes partes: 1) filme mudo, 2) filme sonoro, e 3) sistema digital. Destaca, por exemplo, o aparecimento de Hollywood, o star-system e os primeiros grandes realizadores, os géneros cinematográficos, o realismo, o ecrã largo, a influência do vídeo e do canal televisivo MTV e a digitalização. Os vários continentes, incluindo a África, estão contemplados na sua análise (escreve: "esta [obra] seria a história do cinema mundial e não apenas do cinema ocidental", p. 487). Claro que, numa análise de 507 páginas, nem tudo aparece. Como o caso do cinema português, em que não há uma só palavra. Talvez se o autor fosse francês ele escrevesse uma ou duas linhas sobre Manoel de Oliveira. Como ele previne ainda no começo: "Vão certamente descobrir que muitos dos vossos filmes favoritos não aparecem nesta Biografia" (p. 8).

Nas conclusões do livro, Cousins distingue dois tipos de história do cinema que anunciam que: 1) os melhores filmes são os que levam a montagem, a focagem, a composição, a iluminação e o trabalho de câmara até ao máximo; 2) os melhores filmes são os realistas, na linha defendida por André Bazin, ou aqueles como os de Dreyer, Ozu, Bresson e Antonioni, que ilustram a essência de um cinema metafísico ou abstracto [plano do filme La passion de Jeanne d'Arc (1928), do realizador dinamarquês Carl Theodor Dreyer, retirado do sítio El cinema de Dreyer, "pàgina realitzada per Carles Moreno, 2002"] .

No livro, é visível o olhar do cineasta: as lentes, os planos ou a influência exercida e recebida por cineastas e cinematografias acompanham constantemente a narrativa, sempre com a presença de imagens ilustrativas dos filmes mais marcantes. A narrativa dos filmes é, por vezes, prejudicada pelo número muito grande de obras referenciadas, muitas das quais se reduzem a uma ficha de leitura conquanto haja uma interligação entre elas, a nível de histórias, planos, fotógrafos ou influências. O filme noir, o western ou o samurai, o romantismo fechado dos anos 1940 e os novos temas como juventude, racismo ou sexualidade nas décadas de 1950 e 1960, ou a psicologização das obras, marcam as páginas deste livro que, quando o comprei, pensava ler aos bocadinhos mas acabei por devorar em escassos dias (deixando para trás outras tarefas talvez mais urgentes).

Deixo só uma parcela do texto:

"No ano seguinte [1955], a complexa cultura cinematográfica francesa assiste à chegada da modelo e bailarina de ballet de vinte e dois anos, Brigitte Bardot, em Et Dieu créa la femme/E Deus criou a mulher (Roger Vadim, França, 1956) (Foto 195). Ela foi símbolo sexual e de juventude no cinema e diz-se que terá sido, com o seu luxuriante cabelo e a recusa de se vestir como uma parisiense de classe média, mais importante em termos comerciais para a França do que os automóveis Renault" (pp. 263-264).



Leitura: Mark Cousins (2005). Biografia do filme. Lisboa: Plátano Editora. 507 páginas, preço: € 38,85.

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