segunda-feira, 16 de janeiro de 2006

SOBRE O FILME DE JOÃO PEDRO RODRIGUES

De Odete, o novo filme de João Pedro Rodrigues, lia-se no Público de 12 de Janeiro que a entrada no circuito comercial francês mereceu crítica elogiosa. Retiro alguns elementos do texto assinado por Ana Navarro Pedro: "conjuga pintura melodramática dos sentimentos e estruturação de um dispositivo abstracto" (Le Monde); "Grande história de amor mórbida assediada pela sombra hitchcokiana de Vertigo" (Libération); "Elementos almodovarianos coexistem com uma certa frieza bressoniana, o cineasta tentando compor um universo simultaneamente melodramático e cerebral" (Libération).

No blogue sound+vision, João Lopes (autor do blogue a par de Nuno Galopim) destaca: "de acordo com elementos divulgados pelo distribuidor português do filme (Lusomundo), Odete já ultrapassou, entre nós, a barreira dos 10 mil espectadores — trata-se de um valor tanto mais interessante quanto estamos perante um lançamento de escala reduzida (10 salas), para mais num contexto de exibição dominado ainda pelos espectáculos típicos da quadra natalícia".

Parece haver uma unanimidade em torno do filme. Além disso, as críticas rodeiam a película com referências a outros cineastas, fazendo pensar mais em influências e menos em novidade, como se depreende de Cintra Ferreira, que escreveu no último Expresso sobre o filme: "As sombras de Douglas Sirk e Fassbinder pairam sobre este surpreendente filme de João Pedro Rodrigues, sobre uma jovem (magnífica Ana Cristina Oliveira) num percurso de «transformação» e «transfiguração» que a leva a assumir o papel do amante de um jovem homossexual".

Se nas críticas francesas, ou o que nos chegou depois do gatekeeping da jornalista, se fica a entender muito pouco da história, para além das citações cinéfilas, no texto do crítico do Expresso há um olhar para o fio da narrativa (ao filme, ele atribui 4 estrelas em 5, coisa que o seu colega V. Baptista Marques reduz para 1 em 5 estrelas, prova de que, afinal, não existe consenso).

O filme recordou-me Alice (2004), primeira longa-metragem de Marco Martins (e que eu reflecti aqui, em 9 de Outubro último), onde se conta a história de uma menina de três anos desaparecida, com os pais a procurarem-na. Aqui, há magníficos desempenhos de Nuno Lopes (Mário) e de Beatriz Batarda (Luísa). O grito lancinante desta ocupa todo o espaço no ecrã.

O que liga Alice e Odete, para além dos nomes femininos - o que significa um centrar em marcas de mulheres -, é a ausência de alguém: Alice apenas nomeada e de que conhecemos uma fotografia; Pedro, o jovem que morre no seu automóvel contra uma árvore, logo no começo da narrativa de Odete. As duas são elo de ligação nas histórias que envolvem homens (Mário em Alice; Rui em Odete). Ambos os filmes têm muitos planos nocturnos (mais Odete que Alice), o que significa filmes densos psicologicamente, histórias de subúrbios da grande cidade e de vidas tristes ou dramáticas.


    • O cinema pode constituir, enquanto indústria cultural, um sinal premonitório da realidade social, cultural e económica. Os filmes portugueses estreados vão do melancólico ao negro, desesperançados e violentos, de uma certa forma, pois nos obrigam a ficar encolhidos na cadeira enquanto assistimos à projecção das imagens e a sair apressadamente do cinema e com ar cabisbaixo, de culpa. É evidente que uma produção de seis a sete filmes por ano não nos dá uma tendência de sentido do cinema português, mas falta-nos alegria, comédia, confiança nas nossas capacidades e criatividade. Ou o mundo do cinema é um aparte da realidade social - e não passa de puro fingimento?

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