sábado, 25 de março de 2006

SOBRE A GENEROSIDADE DOS CRÍTICOS DE CINEMA

Parto do princípio simples que os críticos de cinema são elementos fundamentais na formação (e aconselhamento) dos públicos de cinema. Com frequência, recorro a eles para a decisão da escolha do filme a ver. Isto porque tenho deles, os críticos de cinema em geral, a consideração de que são indivíduos - apenas homens nos três casos que analisei - capazes de olhar o produto filme e desconstruir para o espectador as tramas narrativas e fazer as análises sociológicas, psicológicas e semióticas que interessam.

As estrelinhas (ou bolinhas) que cada um dos críticos de cinema colocam à frente dos filmes são, assim, instrumentos preciosos de estudo. Mas persiste uma questão: onde acaba a objectividade e começa a subjectividade da interpretação e da opção do crítico? Eu, enquanto professor, sinto esse dilema. O momento mais difícil (e menos compreendido pelos alunos) de um semestre lectivo é quando atribuo classificações. Faço uma grelha de elementos a ponderar, mas fica sempre um travo de subjectividade, que inclui a disposição emocional do momento da avaliação.

Isto a propósito de dois filmes. Procurei nas classificações dos suplementos do Público ("Y"), Diário de Notícias ("6ª") e Expresso ("Actual") - edições de ontem e hoje - e tentei confrontar posições. O primeiro, de Manoel de Oliveira, Espelho mágico, que já vi e gostei muito. O mais forreta é o Diário de Notícias (uma bolinha de Eurico de Barros e duas de Pedro Mexia), o mais generoso é o Expresso (quatro estrelinhas de Francisco Ferreira e cinco de Cintra Ferreira). O segundo, de Jia Zhang-Ke, O Mundo, que igualmente vi e apreciei muito. O Público coloca-o a meio da tabela das apreciações: três bolinhas segundo três críticos (Luís Miguel Oliveira, Mário Jorge Torres e Vasco Câmara). Já o Expresso exprime tendências opostas quanto à avaliação: das duas estrelinhas de Leitão de Barros às quatro estrelinhas de Cintra Ferreira.


Os críticos mais generosos em classificações são Cintra Ferreira (Expresso) e João Lopes (Diário de Notícias), ao passo que os mais forretas são dois críticos do Público (Vasco Câmara e Mário Jorge Torres) [exclui as observações de péssimo]. Os críticos do Expresso são os que vêem mais filmes (seis a dez), os mais regulares os do Diário de Notícias (três críticos viram oito filmes cada e apenas um viu somente cinco filmes), ao passo que os do Público analisaram menos filmes no conjunto dos três jornais.

Pergunta do espectador que se serve das críticas para escolher um filme: cada um dos críticos não pode revelar que critérios usa para dar estrelinhas e bolinhas?



1 comentário:

Animatógrafo disse...

É uma excelente questão Rogério, mas não é assim tão simples. Quando estive no Diário de Notícias, e privei com o Eurico de Barros, com o João Lopes e com o João Miguel Tavares (que na altura fazia crítica de cinema), apercebi-me que não há nenhuma grelha objectiva de análise de filme. Toda a crítica feita em imprensa (estou em crer que todos os críticos funcionam nesta base) parte de uma base de conhecimentos sobre cinema, sejam de natureza técnica, histórica ou outras, mas tem muito a ver com a abordagem de cada crítico ao objecto cinematográfico. Do João Lopes vai ter sempre uma visão mais "europeia", mais apaixonada pela conceptualidade da imagem. Do Eurico de Barros, por outro lado, terá sempre uma maior procura pela dificuldade da criação, em detrimento do facilitismo. E depois há algo comum nos críticos e que eu não sei definir, mas que sinto que também tenho na crítica que faço no Animatógrafo. É um je ne sais quoi, próximo da tarefa de desconstrução, do olhar clínico. É isso, aliás, por exemplo, que faz com exista uma aproximação de pontos de vista entre o Vasco Câmara do Público e o Eurico de Barros do DN, nomeadamente em festivais de cinema como Berlim ou Veneza. Agora, há algo que creio que o Rogério deve ter em conta quando pensa na sua tarefa de classificação em termos académicos e no trabalhos dos críticos: é que a sua avalia a adequação de determinado trabalho a um conjunto de pressupostos e objectivos, enquanto a dos críticos não. E portanto, a sua visão é eternamente mais subjectiva do que a sua. E é bom que o seja, a bem do cinema. Abraço.