domingo, 9 de abril de 2006

CONFERÊNCIA A NOVA ENTIDADE REGULADORA NO QUADRO DAS POLÍTICAS DE COMUNICAÇÃO EM PORTUGAL

Amanhã, dia 10, decorre na Universidade do Minho a conferência A nova entidade reguladora no quadro das políticas de comunicação em Portugal, podendo o programa ser visto
aqui. Augusto Santos Silva (ministro dos Assuntos Parlamentares), Azeredo Lopes (presidente da Entidade Reguladora da Comunicação), Teresa Ribeiro (presidente do Instituto da Comunicação Social) e Alfredo Maia (presidente do Sindicato de Jornalistas e jornalista do Jornal de Notícias) serão alguns dos participantes dessa importante reunião.

Como elementos para a compreensão dos temas a desenvolver na conferência, recupero algumas das informações publicadas recentemente nos jornais, nomeadamente no Diário de Notícias, que encetou no passado mês um conjunto de trabalhos sobre a ERC, em que foram ouvidos diversos protagonistas.

Do que li, o primeiro jornalista a escrever sobre a ERC foi José Manuel Fernandes (Público), a propósito das alterações ao estatuto do jornalista e do Código Penal, no momento em que ocorria a apreeensão de um computador do jornal 24 Horas, publicação que editara notícias sobre o caso de pedofilia da Casa Pia. Logo depois, o deputado Arons de Carvalho (PS) dava a sua versão do facto, escrevendo uma carta ao director do Público (duas, aliás). Entretanto, o Diário de Notícias iniciava a publicação de um conjunto de textos.

Na peça Nova legislação intimida fontes dos jornalistas, o primeiro parágrafo é sintomático. Citando José Fragoso (director da TSF), escrevia-se: "A informação livre depende de um clima de liberdade e este conjunto legislativo que está em apreciação tende a causar um clima de inibição das fontes". Outros responsáveis pelos media expressavam iguais receios. Dessa peça (7 de Março) e da seguinte (8 de Março) ressalta a ideia de perda de garantias quanto ao jornalismo de investigação, embora o crime de violação do segredo de justiça apenas possa ser aplicado aos que têm acesso directo aos processos judiciais, deixando os jornalistas de fora.

Tomando posse a 17 de Fevereiro último, a ERC fez a sua primeira deliberação acerca do caso Lusa (notícia sobre o acesso à banda larga nas escolas de todo o país), considerando não haver pressão do poder político sobre a agência de notícias (Diário de Notícias, 9 de Março).

O deputado Campos Ferreira (PSD) consideraria que a alteração ao Código Penal colocava "mais a descoberto os jornalistas". Ao invés, o deputado da maioria Arons de Carvalho era referido como entendendo haver um reforço na liberdade de imprensa. Mas o discurso dos deputados alarga-se às competências dos membros da ERC quanto à verificação do rigor informativo dos media e à equiparação dos elementos do regulador a agentes de autoridade, podendo aceder a instalações, equipamentos e serviços. Na mente dos deputados da oposição (e dos jornalistas em geral) estava, de novo, o caso do jornal 24 Horas.

O Diário de Notícias de 10 de Março compara as entidades reguladoras em vários países, considerando haver divergência do modelo português face às outras entidades internacionais. Razão: em outros países, a entidade reguladora acolhe os media e as telecomunicações. Em Portugal, as telecomunicações ficam subordinadas à poderosa ANACOM, e os media à nova ERC (há ainda o ICS, cujas competências foram agora reduzidas a aconselhamento e apoio em termos de política regulamentar e relações internacionais).

O presidente do sindicato dos Jornalistas, Alfredo Maia, ouvido pelo Diário de Notícias (12 de Março), contesta o novo regulador, porque não reflecte a composição da Assembleia da República (os membros da ERC foram indicados pelos dois principais partidos, PS e PSD, excluindo os outros). Contesta ainda a exclusão dos regulados no seio da entidade. A oposição à ERC parte também dos próprios regulados, que não querem pagar a taxa de financiamento da ERC, casos da Confederação dos Meios de Comunicação Social e da Vodafone (a última no Diário de Notícias, 5 de Abril).

O modelo proposto pelo Governo prevê um financiamento misto deste (75%) e das entidades reguladas (percentagem restante), totalizando 4 a 5 milhões de euros anuais. Sucede que o decreto-lei está nas mãos do presidente da República Cavaco Silva, não se sabendo ainda se ele a promulga ou não, atendendo às queixas dos regulados.

Retenho ainda as posições do ministro Santos Silva e do deputado Arons de Carvalho. O ministro descarta a relação entre busca ao jornal 24 Horas e poder político (Diário de Notícias, 13 de Março). Ele defende a bondade da ERC, aprovada por 9/10 dos deputados, e critica quem critica o perigo da liberdade de imprensa a partir da intervenção da ERC.

Já Arons de Carvalho (Expresso, 8 de Março), embora admitindo a equiparação dos funcionários da ERC a agentes de autoridade, entende que essas averiguações presenciais "não incidem sobre conteúdos de informação e programação" mas em áreas como a "confirmação de que a programação própria é produzida a partir do local a que corresponde a licença".

Eduardo Cintra Torres, aproveitando a sua coluna de televisão, desferiria uma fortíssima crítica ao ministro, pegando em termos referidos pelo primeiro director do Público, Vicente Jorge Silva, o qual acusava Santos Silva de arrogância pessoal (Público, 19 de Março). E Miguel Gaspar (Diário de Notícias, 13 de Março) elegia o tema do sigilo profissional como elemento fundamental para o trabalho do jornalista, que não pode ficar dependente dos discursos das fontes oficiais e autorizadas.

Assim, o assunto ERC tem contornos muito mais vastos do que a execução técnica da entidade reguladora. É uma questão política e, até, ideológica. Para mim, o Governo não teve habilidade adequada na explicação do funcionamento da ERC, misturando informação com nervosismo dos responsáveis (ministro e presidente da ERC). Questões poderosas como o pagamento da taxa de participação dos regulados e a revalidação da atribuição de licenças de televisão aos operadores privados são elementos que aparecem e desaparecem do discursos dos agentes sociais envolvidos. Os jornalistas serão, como escreveu Miguel Gaspar, o elo mais fraco, mas há cada vez menos jornalismo incómodo, dados os constrangimentos contemporâneos (jornalistas jovens e vivendo com contratos precários; concentração de media em grupos económicos; concorrência entre media que estimula o jornalismo de escândalo e não a investigação, mais demorada e potencialmente perigosa).

Por isso, em meu entender, a conferência de amanhã, em Braga, é um momento de grande importância para a discussão destas ideias. A felicitar a Universidade do Minho e o grupo do Projecto Mediascópio: Estudo da Reconfiguração do Campo da Comunicação e dos Media em Portugal, coordenado pelo professor Manuel Pinto, que organiza a conferência.


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Actualização às 17:30 - ver o texto de Manuel Pinto colocado hoje no blogue Jornalismo e Comunicação, a propósito da conferência de amanhã.
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