quarta-feira, 24 de maio de 2006

ESTUDOS SOBRE A IMPRENSA (FINAIS DO SÉCULO XIX E PRINCÍPIOS DO SÉCULO XX)

Mensagem feita a partir da leitura de dois trabalhos de Paula Miranda: 1) As origens da imprensa de massa em Portugal: o Diário de Notícias (1864-1889) (tese de mestrado defendida na Universidade de Évora em 2002, 305 páginas), 2) O jornalismo em Portugal. Elementos para a arqueologia de uma profissão (1865-1925) (tese de doutoramento defendida na Universidade de Évora em 2005, 2 volumes com um total de 619 páginas).

Quer na tese de mestrado quer na de doutoramento, Paula Miranda enfatiza a arqueologia da produção e da distribuição enquanto aspecto decisivo para o funcionamento do Diário de Notícias, no primeiro desses trabalhos, complementado com análises do Século e do Primeiro de Janeiro, na segunda das teses. Evidentemente, a tese de doutoramento é um documento mais rico, pela maior extensão do tema quer em jornais avaliados quer em tempo histórico. A autora combina áreas científicas distintas, da história às ciências da comunicação, evidenciando um mais à vontade na primeira. No trabalho de mestrado, ela olhou o Diário de Notícias em períodos de amostra: 1865, 1870, 1875, 1880, 1885, detectando uma evolução na imprensa portuguesa para uma fase de organização industrial.

A tarefa de Paula Miranda é muito louvável. Num país onde ainda pouco se sabe da história da imprensa, ela ousou entrar em terrenos movediços, pois faltam muitas fontes documentais directas. Na tese de mestrado, por exemplo, ela refere-se a estudos de José Manuel Tengarrinha e Fernando de Sousa, mas estes estão mais no campo institucional e menos no organizacional. Daí a importância do capítulo 1 da segunda parte da tese de doutoramento (pp. 47-64), onde, a partir de um inquérito internacional de 1925, se começa a caracterizar a profissão de jornalista, objecto principal deste projecto de Paula Miranda. Nesse capítulo, ficamos a perceber as diferenças de profissão entre Portugal e outros países. Enquanto que, na Áustria, Alemanha, Itália, Suécia e Suíça, os jornalistas estão associados a um só jornal e fazem disso profissão, em países como França, Espanha e Portugal, o jornalismo é desempenhado em paralelo com outras actividades, caso de escritores, comércio, banca, ensino, funcionalismo público (p. 57).

A origem e seu desenvolvimento económico e social das empresas jornalísticas portuguesas ocupa um espaço central da tese de doutoramento de Paula Miranda. Assim, se uma companhia de moagem serviu de capital para o avanço do Diário de Notícias, no Século e no Primeiro de Janeiro as actividades de tipografias associadas (no Primeiro de Janeiro, também actividades comerciais) garantiram os primeiros investimentos de capital.

Nas conclusões do trabalho de doutoramento, Paula Miranda continua o defendido no mestrado: o Diário de Notícias assumiu o jornalismo como um negócio, adaptando a informação como estandarte (p. 363). Ao invés, os dois outros jornais começaram por se dedicar à causa republicana ainda em fase de monarquia constitucional, mas passaram a defender o mesmo modelo do Diário de Notícias após alterações na constituição das firmas que suportavam os jornais. As várias profissões dentro do jornalismo, a sua identificação, a criação de espaços próprios redactoriais separados de outras funções, a distribuição (ardinas em Lisboa, correspondentes no resto do país, estes acumulando possivelmente com a função de recolectores de informação para as notícias) e os movimentos associativos são objecto de estudo o mais apurado possível.

Sem conhecer a autora e saber o que ela espera deste trabalho - se é que ainda o não fez -, ele merece publicação. Estar apenas na biblioteca da universidade não será, certamente, o melhor local de divulgação. E o país precisa da publicação destes trabalhos. Mesmo que se discorde de alguns pontos de vista e interpretações, a crítica a vir a lume enriqueceria o contributo porque elimina zonas escuras da nossa história recente.

Observação final: a tese de mestrado encontra-se já depositada na Biblioteca Nacional, onde a li. A tese de doutoramento, se deu entrada na Biblioteca Nacional, ainda não está disponível (li-a, porque me emprestaram uma das cópias feitas para a defesa da tese).

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