Ler jornais é um acto cívico. Ou melhor, ganha-se em lê-los: as análises, os comentários, as reportagens, as notícias factuais dão-nos conta da complexidade dos assuntos. A formação e manutenção do nosso conhecimento - do que se passa em redor de nós e a reflexão feita sobre isso - é, assim, um exercício quotidiano, do mesmo modo que dormir ou alimentar-nos.
Os jornais gratuitos trouxeram - aparentemente - novos leitores. Basta ver na estação de metro a habituação com que as pessoas se dirigem ao espaço onde estão depositados os jornais. Apesar de gratuitos, são jornais bem feitos, com informação dimensionada à duração da viagem (pena que muitos leitores deixem o jornal abandonado na carruagem ou o deitem ao chão nos corredores da estação, contribuindo para o lixo nesses locais).
Há, a meu ver, duas culturas fortes: 1) uma mais recente, a dos jornais gratuitos, com informação bem feita mas leve, quase de títulos e de notícias breves, capaz de substituir um noticiário de rádio ou de televisão, 2) outra mais antiga, a dos jornais de referência, onde há um tratamento noticioso extenso, com análises onde diferentes pontos de vista são dissecados. Um conflito político ou religioso não se pode ver numa simples oposição de A contra B, pois há antecedentes, causas variadas.
Queria acrescentar duas outras culturas. Uma é a dos jornais populares, bem feitos, caso do Correio da Manhã. Embora a elite intelectual torça o nariz ao jornal, ele merece ser estudado e discutido, para se perceber porque razão vende tanto.
Mas há outra cultura, fenómeno que aparece e desaparece; no entanto, agora, está para ficar, o dos diários tablóides, como o 24 Horas. O fascínio deste jornal é que a informação que trata pertence a um país delirante, que não existe. Ler o 24 Horas é um exercício de efabulação. Ontem, por exemplo, dedicou a manchete e duas páginas do jornal a narrar o episódio de Morangos com açúcar do dia anterior. Claro, poderia responder o director do jornal - o último episódio com o Dino (interpretado por Francisco Adam, que faleceu muito recentemente) tem valor-notícia (tradução do jargão: interesse noticioso) [de modo inteligente, o Público nem sequer aludiu ao facto]. Mas, e que dizer às páginas 3 e 4, em que uma menina morena entra para o "grupo das famosas"? Mas quem constitui este grupo? O que fizeram as "famosas" na vida? Em que se distinguiram? Enquanto os jornais sérios dedicavam essas páginas à questão da nacionalização das empresas petrolíferas na Bolívia, o 24 Horas dava as fotos da menina morena (pensei: quem lê o jornal não compra gasolina, logo não se preocupa com nacionalizações ou aumento do preço dos combustíveis, mas recorta a fotografia da senhora para colocar numa prateleira ou noutro local, sei lá).
O que me intriga mais é o número de exemplares vendidos. Haverá alguém que desvaneça esta minha dúvida?
3 comentários:
Não sei se o que vou escrever são as razões correctas para o elevado número deste jornal, de qualquer forma deixo aqui a minha opinião. Penso que as pessoas, com o ritmo de vida que têm, sobretudo nos grandes centros urbanos andam cansadas e preferem ler sobre assuntos banais e leves. A agravar isto existe um clima de desanimo que se gerou nos últimos tempos e as pessoas preferem assuntos que as distraiam e as façam "sonhar". Outro aspecto tem a ver com o facto de a população portuguesa e os jovens terem poucas bases e não se interessarem por uma melhor formação. Hoje em dia muitos jovens não sabem escrever correctamente nem percebem aquilo que lêem e, por isso, é mais apelativo para eles lerem jornais como o "24 Horas".
Viva Professor.
Tenho uma perspectiva diferente da sua: o 24 Horas é um jornal tabloide, sem dúvida, mas sério. O facto de recusar o sensacionalismo é bom para o nosso jornalismo e para a nossa sociedade. Uma perspectiva poderia ser: já que os jornais tabloides são inevitáveis, ao menos que sejam como o 24 Horas. Mas eu vou ainda mais longe: à parte algum delírio com os famosos (pretensamente famosos, na maior parte das vezes) e uma excessiva colagem à televisão, o 24 Horas desempenha uma função útil: é mais irreverente, é alternativo, é mais próximo dos jornais de referência e isso enriquece o panorama mediático português. Gosto de tudo o que leio lá? Claro que não. Mas acho um jornal bem feito. E sério.
Confesso, que por vezes tenho horror a certas páginas de jornais. Outras o tamanho do título, não corresponde ao interesse da informação. Explora-se demais determinadas notícias em detrimento de outras.
Com a Tv acontece o mesmo. Por vezes, o meu filho de 17 anos, diz na hora sagrada da refeição (normalmente ao jantar) que coincide com os noticiários: " Por favor, mudem-me de canal. Ao menos coloquem musica, já não suporto ouvir tanta barbaridade..." E lá vamos nós, de comando na mão, procurar um canal que nos dê música repousante, para continuarmos a refeição calmamente.
É um excesso de notícias deploráveis, em que se explora em demasia determinados sentimentos... e, confesso que cá em casa, não gostamos disso.
Preferimos por vezes, a dureza da notícia, dada com verdade, mas sem explorações sentimentais e outras...
O País continua a viver de inverdades, de "sonhos", de "balões de oxigénio", que de um momento para o outro, rebentarão...
É verdade que admiro certos jornalista e alguns jornais (poucos)pela seriedade que transparece da informação, mas quantas vezes coloco em mim estas dúvida: "Será assim mesmo?"
Porque já não acredito fielmente, na veracidade das informações e das notícias, que actualmente circulam.
Bem, desculpa o longo comentário. Normalmente gosto de aqui vir ler, mas hoje dei comigo a responder-te.
Um abraço e bom fim de semana :)
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