O que mais gostei foi ouvir a banda sonora, em que Sofia Coppolla, ao abordar a história da queda da monarquia francesa no final do século XVIII, mistura música clássica (Antonio Vivaldi) com os sons dos anos 1980 (new wave e electrónica), dos Siouxsie and the Banshees (Hong Kong Garden), The Cure (Plainsong, All cats are grey), The Strokes (What ever happened), Squarepusher (Tommib help Buss), Air (Il secondo giorno, instrumental), The Radio Dept. (Pulling our weight, Keen on boys) e Windsor, a exemplo do que oferecera em Lost in translation. Os planos dos bailes, em especial o das máscaras, são prodígios de cor e sons.
Depois, a atmosfera cénica artificial das regras de protocolo da corte, ridículas a olhos de hoje: a cena da noite de núpcias é um exemplo que mostra comicidade e tragédia por não haver intimidade a dois, mas acto público. É preciso dar um herdeiro ao trono e o rei pai deseja bom trabalho aos noivos. Os penteados lembraram-me logo os Simpsons, que, afinal, são bem mais clássicos e inventivos do que eu imaginara. Ou os penteados de personagens de algumas séries de ficção científica. Os rostos, de tão maquilhados, lembram as peças de teatro, onde as sombras realçam formas.
A realizadora, Sofia Coppolla, teve um imenso pudor em filmar a tomada de poder de 1789. Nem se discutem, francamente, as razões. Disso, há só ecos, que os planos da populaça junto a Versailles não desvirtuam. O final do filme bem poderia ter acabado cinco minutos antes, tal a fragilidade do argumento (1).
Tudo se passa como se a corte vivesse num mundo à parte, onde só havia lugar para caçadas, festas e bolos e champanhe. O rei é um ser sem carácter, que aceita rapidamente a opinião dos seus mais próximos politicamente falando, pois o pensamento dele está nas caçadas. A rainha é uma rapariguinha que procura divertir-se, enquanto lhe nascem três crianças, envolvida na intriga palaciana, uma coisa nada recomendável. Às escassas reformas protagonizadas pela rainha que viera da Áustria - bater palmas nos concertos reais - sucedem-se as gaffes políticas. Como comentário ao que se estava a passar em França, a falta de pão, respondia a leviana rapariguinha: comam bolos.
Claro, lê-se na ainda reduzida literatura nacional existente sobre o filme (só amanhã e sábado é que leremos os críticos de cinema nos jornais), que se trata de uma versão pop da trágica história da monarquia francesa, ainda ocupada em apoiar ou não a revolução americana, para fazer ver aos ingleses, e a estudar a aliança com a Áustria, entalada também pela invasão da Polónia pelos russos. De história também não trata o filme. Eric Rohmer, com a sua A Inglesa e o duque, esclareceu muito mais sobre o que se passou nesse período de grandes transformações sociais e políticas, embora do ponto de vista da classe social que perdeu o poder.
Conclusão: a magia de Lost in translation não a encontro aqui. O actor que faz de rei (Jason Scartzman) não me convence. Já Kirsten Dunst, mais o seu encantador dente canino do maxilar superior, enche a tela, mas está sozinha, excepto talvez os caniches que pululam na fútil sociedade decadente de Versailles, e parece longínqua por vezes.
De repente, à saída para a rua chuvosa, lembrei-me da orgulhosa América. Não estará este país, agora que Bush filho reconhece que o Iraque se está a assemelhar ao Vietname, a mergulhar na decadência, com Sofia Coppolla a imitar o pai, que também dá uma mãozinha a este filme, quando realizou Apocalipse now?
(1) o filme que eu vi, no King, "partiu-se", faltaria uma dezena ou mais de minutos; se acabasse ali, eu não poderia reclamar e pedir a devolução do bilhete, pois o final do filme poderia ser aquele. Devo dizer que é a segunda vez, nos últimos três filmes, que a máquina de projectar se avaria. E o conjunto das salas King é menos simpático que até há meses atrás. A livraria fechou, ficando um corredor de prateleiras vazias para quem vai para a cafetaria. O ar triste e abandonado das empregadas também não ajuda.
1 comentário:
é verdade, eu também fui ver ao King e aconteceu-me o mesmo!!!!!
Enviar um comentário