Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
sexta-feira, 27 de outubro de 2006
O FIM DAS CAPITAIS DA CULTURA
Segundo os media de hoje, a ministra da Cultura disse que o programa de capitais da cultura vai acabar. Para Isabel Pires de Lima, as capitais da cultura "funcionaram apenas como um programa de animação cultural, mas não influenciaram o consumo cultural em termos de formação e alargamento de públicos, e demonstraram que, com este modelo, as cidades não se renovam com a cultura" (citação extraída do jornal Público).
No momento em que uma cidade era nomeada capital da cultura, havia um fluxo financeiro que permitia programadores e criadores realizarem trabalhos. Mas cessado esse período, o fluxo de dinheiro reduzia-se. Além de que as cidades nomeadas podiam não ter massa crítica - isto é, públicos de cultura. A capital da cultura funcionava como um momento de excelência, a que se poderia seguir um vazio. Ou a própria gestão dos dinheiros canalizados para a capital da cultura não seria a mais correcta.
Coimbra 2003 e Faro 2005 não terão, assim, sido boas experiências. Na rádio, eu ouvira dizer que o programa acabava por uma questão política. Como a notícia não adiantava mais nada, fiquei sem perceber que questão era. Contudo, e pela leitura dos trabalhos do Observatório das Actividades Culturais, a formação e alargamento de públicos funciona para além das actividades das capitais da cultura.
No estudo sobre o Porto 2001 capital europeia da cultura [distinto da presente questão, que envolve cidades nacionais de cultura], o Observatório de Actividades Culturais descrevia a existência de 30,3% de públicos habituais (cultivados e especializados), ficando o restante (69,7%) distribuido por públicos não regulares (retraídos, displicentes, recatados e liminares). Não havendo aquilo a que Idalina Conde chama de estratégias de captação em iniciativas específicas e de modo continuado, alguns públicos, como os displicentes (que têm potencial de consumo cultural mas podem optar por outros consumos), não são conquistados, pelo que não há formação e alargamento de públicos.
Possivelmente, a criação e manutenção de públicos passa por outras estratégias, que não as meramente políticas e económicas. O Observatório de Actividades Culturais, ao estudar os públicos do festival internacional de teatro de Almada encontrou uma razão para o sucesso: a continuidade anual. Isto explicava a existência de um público antigo e regular e de outro recente mas já conquistado.
Pode acontecer a presença de outras variáveis. Por exemplo, após o Porto 2001, seguiu-se uma política cultural desastrosa na cidade, que ainda permanece [o episódio do Rivoli foi, a meu ver, mal interpretado pelos agentes culturais que ali se barricaram, pelo que excluo da minha interpretação]. Os públicos potenciais para seduzir e conquistar em definitivo, após a festa da capital europeia da cultura, terão desaparecido. O que ilustra a necessidade de haver outras competências para além da de política governamental central. Há equipamentos culturais, mas os agentes culturais privados também devem ter uma palavra a dizer sobre isto. Ao Estado não compete criar mas apoiar mediante cadernos de encargos previamente definidos e com objectivos traçados.
Certamente que, no Reino Unido, quando se fala em indústrias criativas e na sua importância para a soma do PIB, não se está a pensar em capitais da cultura ou financiamentos directos do Estado, mas em iniciativas privadas, criação individual ou de grupo, em espectáculos permanentes, com públicos, em indústrias culturais como o cinema ou a televisão ou a indústria discográfica. É a nossa pescadinha de rabo na boca.
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