sexta-feira, 24 de novembro de 2006

CASO DA SEMANA


O CASO DA SEMANA É A MORTE DA FESTA DA MÚSICA

Retiro a informação do jornal Público, nos dias 21, 22 e 24 deste mês, um jornal de referência que deu muita atenção ao assunto, em cinco peças aqui analisadas. E porque se trata de bom jornalismo, dentro dos pressupostos clássicos da actividade (ouvir as principais fontes envolvidas no assunto, descoberta de contradições), entendo ser igualmente um bom estudo de caso.

No primeiro daqueles dias, o título da notícia era Morre a Festa da Música e nascem os Dias da Música no Centro Cultural de Belém. A quebra de orçamento do ministério da Cultura ocasionou igual perda de investimento no Centro Cultural de Lisboa (CCB), inviabilizando a Festa da Música. Pelo que se consegue ler na notícia, ministra e administrador do CCB estariam de acordo (embora tenha falado apenas Mega Ferreira, do CCB). A primeira notícia inclui também a opinião de Rui Vieira Nery, da Gulbenkian, e muitos números que mostram a evolução dos custos do programa (referirei à frente a análise de Cristina Fernandes).

Já no dia 22, com o título Contas de Mega e ministra não coincidem, percepciona-se a existência de posições distintas. A notícia do dia anterior provocara aquilo a que o jornal chamou de "fogo cruzado de declarações sobre as contas do centro". Para a ministra, o CCB ia ter mais dinheiro em 2007, pois ficava liberto do espaço de exposições, a ocupar pela colecção Berardo; para o administrador do CCB, o corte do orçamento fora o responsável pelo fim da Festa da Música.

Na edição de hoje, é publicada uma entrevista com René Martin, criador da Folle Journée de Nantes e até agora director artístico da Festa da Música, com um título muito impressivo: Roubaram-me completamente a ideia da Festa da Música. Garante Martin que nunca o chamaram a Lisboa para dar conta do ocorrido, chocando-o a ideia de Mega Ferreira nunca ter falado com ele. Reacção do administrador do CCB : "Martin não é dono do conceito de festival".

Observações do leitor de jornais: desde há algum tempo que se desenhava um desenlance deste tipo. Primeiro, quando tomou posse, António Mega Ferreira deu o exemplo da Festa da Música como adequado para as actividades do CCB e falou em construir um novo espaço, a oeste do actual centro; depois, a ministra Isabel Pires de Lima, ao indicar a zona das exposições do CCB para albergar a colecção Berardo, retirou campo de manobra à nova administração do Centro, pois disse logo que, havendo menos espaço a explorar, o CCB veria reduzido o seu orçamento; agora o verniz de duas pessoas cultas e civilizadas estalou. A meu ver, ambos ficam mal na fotografia, pois a frontalidade não tem sido muita, pelo que as notícias dizem (possivelmente, a valer a demissão do administrador do CCB, o que seria injusto, dada a muita qualidade por ele demonstrada ao longo da sua dedicada colaboração com o serviço público). Fica a convocação de uma manifestação por SMS no dia 1, pelas 15:00 em frente ao CCB.

As três notícias são um paradigmático exemplo de bom jornalismo: a primeira notícia relata o facto e ouve comentários, a segunda dá conta de uma falsa unidade, antevista a partir de informações cautelosas do administrador do Centro, pois novas fontes de informação foram acrescentadas, retirando o efeito de primeiro definidor contido na notícia inicial. Quanto à terceira, ela ilustra a posição de uma terceira parte, não coincidente com as descoincidências das duas primeiras, o que complexifica a história.

Quero ainda fazer referência a duas outras peças: uma análise (Cristina Fernandes) e um editorial (Nuno Pacheco), o que dá conta do grande empenho do jornal pela matéria. Fernandes refere o conceito de público e lamenta a falta de "um estudo que avaliasse a eventual repercussão na criação de novos públicos ou na mudança de hábitos culturais". Pacheco testou na sua peça uma postura mais política, partindo do número de bilhetes vendidos, o qual cresceu de mais de 27 mil em 2000 para mais de 51 mil em 2006. Para ele (e parece-me que tem muita razão), há justificações por uma opção cultural da ministra e do administrador. Se, acima, escrevia que Mega Ferreira e Pires de Lima não tinham feito um bom serviço, aqui considero que quem perde são todos os públicos que assistiam à Festa da Música, além de Martin, por quem os manifestantes do próximo dia 1 vão apoiar.


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