sábado, 25 de novembro de 2006

A SOCIEDADE MCDONALDIZADA (3)


[continuação das mensagens de 9 e 17 de Novembro]

Ritzer à procura de Baudrillard

Temos de ter em atenção que os novos meios de consumo criam espectáculos não como um fim em si mesmo mas de modo a trazer grande número de pessoas para comprarem mais produtos e serviços. Um centro comercial, um casino ou um parque temático vazio ou meio cheio tem menos pessoas a comprarem e não geram a mesma excitação que uma casa cheia. Uma catedral de consumo quase vazia gera menos passa-palavra que uma sala cheia. Radical e crítico, Ritzer (2004b: 96; seguirei ainda as páginas seguintes) acha que cada espectáculo procura superar o anterior (em espectacularidade). Diria eu, é como se fosse um potlach. Implícito a isto é o uso de simulações para criar mundos fantásticos espectaculares. A essência dos novos meios de consumo está na capacidade de encantar pelos espectáculos, através de simulações, o que nos leva a Jean Baudrillard.

Este argumentou que vivemos numa “idade da simulação”. Isto implica que abandonamos um mundo social mais genuíno e autêntico. Por exemplo, diz ele, o povo primitivo de Tasaday, nas Filipinas, é uma simulação pois foi criogenizado e esterilizado para fugir à morte. Ou as grutas de Lascaux em França, que foram encerradas, abrindo-se uma réplica exacta, uma simulação.

A existência alargada de tais simulações no mundo do consumo contribui para a erosão da distinção entre o real e o imaginário, entre o verdadeiro e o falso. É muito mais simples estruturar a gruta simulada (em caso de perigo para os visitantes) que reestruturar a gruta original, pois há um constrangimento à alteração da sua forma original. É mais fácil reparar a simulação que o original que, nesse sentido, é irreparável. E para uma geração habituada a filmes, televisão, jogos vídeo e imaginação virtual torna-se perfeitamente aceitável esse mundo da simulação.

Mas não apenas existem simulações nos novos meios de consumo, mas também nas pessoas que tomam parte neles e nas suas interacções [e refere as pessoas vestidas à época na Disney e nos parques temáticos, por exemplo]. As organizações desenvolvem uma série de linhas de conduta do que se supõe que os empregados falem, vejam e se comportem. A “interacção” típica, escreve o radical Ritzer, vem dos animadores dos programas de vendas na televisão quando dizem: “obrigado pela chamada telefónica que fez”.

Ora vejamos como olha o próprio Baudrillard estas questões, nomeadamente as ideias de consumo (uso e ostentatório; o standing, como lhe chama Lipovetsky), sedução, simulação (hiper-real versus signo) e implosão. Em A sociedade de consumo (1981: 51), Baudrillard entende que todo o discurso sobre as necessidades/desejos aponta para o domínio da felicidade. Esta é a referência absoluta da sociedade de consumo. Ora, é preciso que a felicidade seja mensurável. Ela trata-se do bem-estar mensurável por objectos e signos do conforto, a intensificação do bem-estar. Baudrillard fala em democracia do standing, da televisão, do automóvel, da instalação estereofónica (hoje, diríamos iPod). E, mais à frente, Baudrillard (1981: 78) refere David Riesman e a sua noção de standard package, que se define como o conjunto de bens e serviços que constitui a espécie de património de base do americano médio: “Em aumento regular, indexado pelo nível de vida nacional, constitui um mínimo ideal de tipo estatístico, modelo conforme das classes médias. Ultrapassado por uns, sonhado por outros, surge como ideia em que se resume o american way of life. Mas, diz Baudrillard, o standard package não designa tanto a materialidade dos bens (televisão, casa de banho, carro) mas mais o ideal de conformidade.

O tema do condicionamento das necessidades (em especial, através da publicidade) tornou-se o tema favorito do discurso acerca da sociedade de consumo. A exaltação da abundância e a grande lamentação relativa às necessidades/desejos artificiais alimentam a cultura de massa. O mesmo autor vai adiante. Meta-consumo significa a busca de personalização, estatuto e standing – fundado em signos, isto é, não nos objectos ou nos bens em si, mas nas diferenças. Se o consumo pode assumir a discrição, o despojo e a reserva, o meta-consumo actua como expoente cultural de classe e tem a tendência predominante para consumir com ostentação. Daí que ele aposte não no esquema de singularidade e conformismo (Baudrillard, 1981: 106), colocado sob o signo do indivíduo, mas na lógica fundamental da diferenciação e personalização. Conclui por uma definição de consumo: 1) não se trata de uma prática funcional dos objectos e sua possessão, 2) nem de uma simples função de prestígio individual ou de grupo, 3) mas de um sistema de comunicação e de permuta, como código de signos continuamente emitidos, recebidos e inventados, como linguagem.


[continua]

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