O Conselho Regulador da ERC (Entidade Reguladora para a Comunicação Social) já apreciou e deliberou sobre o artigo de Eduardo Cintra Torres, "Como se faz censura em Portugal" e sobre as acusações de ingerência do Governo proferidas pelo deputado do PSD Agostinho Branquinho (em página do semanário Expresso).
Aquele Conselho entende que se tratam de duas acusações "que atribuem ao Governo a intenção (e a acção) de «governamentalizar» a RTP, assim pondo em causa a sua obrigação fundamental de independência perante este poder político". A mesma entidade "considerou não poder deixar de aprofundar a questão da independência da RTP e da seriedade dos seus profissionais, porquanto, independentemente das acusações acima referidas, estavam em causa pessoas, a sua reputação profissional, o seu nome e o respeito na praça pública".
Na mensagem, cinjo-me apenas ao "caso" Cintra Torres. Recorde-se que, a 12 de Agosto, Eduardo Cintra Torres escrevera que o Governo teria pressionado a RTP a não dar relevo aos incêndios florestais desse dia, na sua coluna semanal Olho Vivo, postura apoiada posteriormente pelo director do jornal. O Conselho Regulador entende ser indefensável a distinção entre "estatuto de colunista para exprimir opiniões e do de jornalista para divulgar informações obtidas sob anonimato da fonte, que configuram acusações de grande gravidade contra a RTP e contra o Governo". O autor quebraria, deste modo, "não apenas o contrato que o liga ao jornal, mas, principalmente, o contrato de lealdade e transparência com os leitores, perante os quais a sua coluna surge como um espaço de opinião".
Assim, o mesmo Conselho decidiu "iniciar procedimento de averiguações relativo ao artigo de Eduardo Cintra Torres" e deliberou "que o jornal Público, pela publicação das acusações contidas no artigo Como se faz censura em Portugal, violou de forma manifesta e grave obrigações elementares do jornalismo", recomendando que este jornal, "doravante, assegure o cumprimento das suas obrigações legais básicas".
A leitura deste texto deliberativo da ERC tem um manifesto interesse. Pelas posições assumidas - um artigo de opinião tem o peso de uma notícia, pois ao seu "redactor" exige-se que tenha cuidados éticos e deontológicos - e pela votação - na deliberação, um elemento identificado com o PSD fez declaração de voto e um outro identificado com o PS votou contra, o que ilustra a dificuldade de consenso na matéria.
Nesta decisão há, a meu ver, um ponto forte e um ponto fraco. O ponto forte tem a ver com a condenação do estilo de escrita de Cintra Torres no citado artigo, achando eu que ele deveria ter usado mais prudência no modo como redigiu o texto (eu destaquei isso aqui no blogue, em devido tempo). Mas daí ao ponto de iniciar procedimento de averiguações parece-me excessivo. Porque os membros da RTP que se sentiram atacados pelo artigo já terão levado o assunto para tribunal e porque pressionar o modo de escrever - mesmo que em estilo menos polido - pode significar o início do exercício de auto-censura. E os media parecem estar sujeitos a uma crescente auto-censura, imposta pela precariedade de trabalho e pela pressão económica, como acentuava Carrilho na segunda-feira aquando da apresentação do livro de Rui Cádima bem assim como estudos recentes publicados.
O ponto fraco é o equívoco da ERC ao considerar um artigo de opinião semelhante à estrutura da notícia, com necessidade do exercício do contraditório e indicação de fontes de informação. Os géneros estão bem identificados e a coluna Olho Vivo é, sabe-se, uma mistura de opinião do autor (julgar programas, aferindo da qualidade ou não deles, é um exercício de estética e de ética, podendo não representar uma posição de maioria da população, ou assumir uma postura heterogénea e marginal; frequentemente, um colunista é um polemista) com pequenos estudos (como o articulista tem feito nas últimas semanas).
[o texto integral e anexo deste documento pode ser consultado em www.erc.pt]
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