Em livro que, a esta hora, está a ser lançado, Daniel Dayan escreve que público é indissociável da esfera pública. Um público remete para um outro público que o observa. Os públicos constituem-se, diferenciando-se de outros públicos. Ao contrário, audiências são fantasmas em representações gráficas que expressam partes de mercado. Pergunta o autor: não são os públicos das audiências artefactos inventados por sociólogos e institutos de sondagens, ficções forjadas independentemente da vontade dos interessados?
Dayan [imagem retirada do blogue Mestiçagens, de José Carlos Abrantes, co-organizador do livro Televisão: das audiências aos públicos, em fotografia de Kyle Cassidy] parte das definições de Sorlin, para quem público é: 1) constituído por um meio, que supõe um tipo de sociabilidade e mínimo de estabilidade, 2) tem capacidade de deliberação interna, 3) dispõe de uma capacidade de performance, apresentando-se perante outros públicos, 4) o que implica os seus autores, dispostos a defender valores, 5) traduz os seus gostos em exigências, e 6) podendo existir apenas sob a forma reflexiva. Por seu lado, uma audiência não tem imperativo de sociabilidade e estabilidade, nem por uma obrigação de performance, nem por referência a um bem comum.
Mas a realidade das audiências é, como a dos públicos, uma realidade imaginada. Diz Dayan que a construção de um sujeito colectivo passa por uma ficção. No caso dos públicos, o sujeito colectivo é imaginado na primeira pessoa, por um Nós. No caso das audiências, o sujeito é pensado na terceira pessoa.
Dayan, que, com Elihu Katz, escreveu sobre televisão cerimonial, fala de duas espécies de espectadores: 1) expressivos, que vão ao encontro dos grandes acontecimentos, a fim de aclamar ou patear na rua os actores, 2) domésticos, cujo visionamento reúne os espectadores em pequenas comunidades de celebração e reflexivas. A televisão cerimonial transforma as audiências de televisão em públicos: 1) sentimento de pertença, como pequenas comunidades de celebração, 2) activação de redes específicas de sociabilidade, como casa aberta e intensa actividade telefónica, 3) propensão a emitir pedidos ligados à existência de acontecimentos, 4) vontade de defender os valores do acontecimento face a outros públicos.
Isto conduz Daniel Dayan a traçar o perfil de quatro tipos de públicos: 1) público de fãs, reflexivo e estável, dotado de sociabilidade incontestável, que pertence a uma comunidade imaginada, 2) público da televisão cerimonial, não estável mas passageiro, público de um dia ou de alguns dias, emblemático das emissões em directo, 3) público das elites dos media europeus, o dos políticos e dirigentes económicos europeus que lêem os media de qualidade, e 4) público dos media de imigração, das diásporas, que lêem os media dos seus países de origem ou editam novos media nos locais e países onde vivem.
Para Dayan, não há um público de televisão mas um quase-público.
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