Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
quarta-feira, 21 de março de 2007
NOTAS SOBRE A REVISTA VIRAGEM (1980)
Só conheci os números 6 e 7 da revista Viragem, penso que os dois últimos números. Estava-se em 1980.
Detecta-se uma origem católica nos seus responsáveis e redactores, mas o marxismo estava na ordem do dia. Daí o seu questionamento, visível no penúltimo número: "Jean Domenach, numa entrevista que em 78 deu à revista Abril, interrogado sobre a superação do marxismo, respondia: «Mas isso interessa-me pouco. Supera-se Marx como se supera Descartes. Somos todos cartesianos. Sejamos marxistas». Domenach equacionou bem o problema, na medida em que distingue um posicionamento de sistema, duma atitude crítica que procura assimilar todas as conquistas do pensamento humano".
A perspectiva (conflitual) é mais evidente na entrevista concedida pelo padre Manuel Antunes, sobre a (mesma) crise do marxismo: "Creio que é um facto adquirido que nos anos setenta o marxismo se encontrou em crise. Mas essa crise não é específica dos anos setenta. Essa crise vem de trás. [...] Eu não diria que Marx está morto, eu diria apenas que, sobretudo ao longo dos anos setenta, Marx foi reduzido às suas dimensões, ou seja, às dimensões de um grande clássico do pensamento económico e social".
Revista que pretendia editar quatro números por ano, era dirigida por jovens recém-licenciados, saídos da Universidade do Porto. Manuel Pinto, na direcção e seu proprietário, era acompanhado por Isabel Margarida Duarte, Joaquim Azevedo e João Alexandre (não conheci este colaborador) na redacção. Num dos depoimentos, aparecia o nome de Augusto Santos Silva. Paulo Bateira assinaria um longo texto sobre medicina, já com vasta bibliografia em língua inglesa. Jorge Fiel, talvez o mais radical do grupo, escreveria sobre futebol. Um grupo que hoje tem protagonismo ou faz carreira sólida na política, no ensino universitário, no associativismo empresarial, no jornalismo e na ciência.
O número 6 procura fazer um balanço da década anterior. O editorial é preciso: "Transitámos da condição de militantes convictos, imbuídos de um grande idealismo político e moral e situados num quadro mental rígido, para a situação nova e «estranha» de pessoas para quem a dúvida se tornou familiar". Por isso, os textos da política à inquietude religiosa e ao despertar para a consciência ecológica e sobre o movimento feminista.
Já o número 7 fala-nos dos tempos livres, do futebol e da televisão. O antropólogo que acabou por não vingar, M. P. (Manuel Pinto), assinaria um belo texto intitulado "A ambiguidade dos tempos livres". O meu exemplar está todo riscado neste texto, fruto do interesse que eu conferi à leitura do tema. Respigo uma frase: "Um caso típico é o (pouco conhecido) papel que a televisão tem no interior da família, considerada não apenas sob o aspecto do número de horas que incita a gastar diante do aparelho, como especialmente pelos conteúdos e mensagem que veicula". A tese de doutoramento do jovem director ainda vinha longe - mas o interesse já lá estava: a televisão e a família; no caso pessoal, o impacto sobre as crianças. E a Universidade do Minho, onde Manuel Pinto ingressaria alguns anos depois, tem hoje um forte núcleo de investigação em televisão.
A revista precisava de angariar 1500 assinaturas (tiragem 2500 exemplares). Assumia-se como "instrumento importante na renovação mental e moral que se coloca hoje como imperativo à juventude portuguesa" (número 7). Eu catalogá-la-ia como revista cultural, à espera de ser estudada como outras publicações da época.
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2 comentários:
Caro Rogério, só tu para te lembrares da revista Viragem!
De facto houve mais números para além dos que referes, mas a entrada minha e do João Alexandre Saavedra no Jornal de Notícias foi fatal, do ponto de vista da disponibilidade.
Prestes a completar 30 anos (será em Junho de 2008), é interessante percorrer de novo a colecção e ver a inquietação que nos percorria, naquela altura, na ressaca do período revolucionário. Sem que eu sonhasse, a experiência nessa revista acabaria por ser decisiva da minha entrada no jornalismo. Só mais tarde o vim a constatar. As referências que o jornalista Nuno Teixeira Neves lhe fez por mais de uma vez, na sua coluna dominical "Ser Cidadão", trouxe-lhe uma projecção humilde, é certo, mas muito maior do que aquilo que havíamos sonhado.
Bom dia.
Estando a preparar uma dissertação de doutoramento sobre a obra do Padre Manuel Antunes, gostaria de obter uma cópia digitalizada do número onde a estrevista foi publicada.
Será que é possível? Agradecendo antecipadamente a v/ disponibilidade, subscrevo-me enviando o meu obrigado e cordiais cumprimentos.
António Barros
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