Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
quinta-feira, 29 de março de 2007
NANNI MORETTI E SILVIO BERLUSCONI
Não fiquei propriamente entusiasmado com o filme O caimão, embora no domingo, quando vi o filme, a sala estivesse cheia. Muitos cabelos brancos à espera, se calhar, de um filme político sobre Silvio Berlusconi. Pelos vistos, Moretti tem muitos fãs em espectadores mais velhos.
O filme fora do filme pareceu-me melhor - o retrato da relação de um casal às portas do divórcio: ele um cineasta arruinado que também via fugir, por dívidas, o estúdio onde produzira vários êxitos da série B, que inicia o filme de Nanni Moretti, como também não via que o argumento que lhe deram para a mão era a história de Berlusconi; ela, aparentemente mais bem sucedida, no amor, na vida artística e nas finanças. Mas dela sabe-se menos, pois é ele o centro do filme e sobre o filme que planeara produzir. Passando, aliás, de Cristóvão Colombo para Silvio Berlusconi.
Nanni Moretti acabou por interpretar o papel do antigo primeiro-ministro, planos com que o filme acaba. Mas outros intérpretes de Berlusconi haviam sido recrutados, uns recusaram, outro era o próprio Berlusconi em gravações da televisão, autor e actor de cenas burlescas como as que o próprio encarnou no parlamento Europeu (entre Julho e Dezembro de 2003, Berlusconi ocupou a presidência da União Europeia).
O livro de Paul Ginsborg, Silvio Berlusconi. Televisión, poder y patrimonio, saído em Itália um pouco antes do filme de Moretti (2005) e traduzido para castelhano o ano passado, dá uma ideia mais precisa do antigo primeiro-ministro italiano, da sua vida e dos seus negócios - e de onde eu tiro algumas notas.
Berlusconi nasceu em 1936 em Milão. Aos 16 anos, tocaria em vários clubes nocturnos e apresentava espectáculos em transantlânticos. Depois, regressou a casa e estudou direito, após o que se dedicou à construção civil, sendo o planificador da construção de um complexo de edifícios de apartamentos para cerca de 4 mil pessoas.
O seu terceiro projecto, Milano 2 (1970-1979), seria um complexo para albergar dez mil pessoas. A grande atracção do projecto Milano 2 foi a instalação de um canal gratuito de televisão (1974). Embora Berlusconi o considerasse um serviço optativo interessante, o certo é que ele seria o começo do seu império televisivo.
Ainda hoje há dúvidas quanto ao financiamento do projecto Milano 2 e do seu sucessor, o Milano 3. Suspeita-se que o dinheiro tenha vindo de empresas em paraísos fiscais ou de caixas chinesas da finança. A loja maçónica P2 também está nessa encruzilhada. No filme de Moretti, o dinheiro cai, metaforicamente, do tecto da casa onde estava o empresário-político.
Televisão (e filmoteca), publicidade (a sua Publitália com o slogan: "Não vendo espaços, vendo vendas") e futebol (AC Milan) foram o novo triângulo das actividades de Berlusconi que, entretanto, se havia divorciado e casado com uma estrela de cinema (Verónica Lario), mais nova 20 anos que ele.
Seguir-se-ia a política. A Casa das Liberdades, o partido de Berlusconi, ganharia as eleições de 2001, com 45,5% dos votos entrados nas urnas, um pouco mais do que a coligação da Oliveira (43,8%). Televisão e poder político "casavam-se". Paul Ginsborg, crítico de Berlusconi ainda mais acutilante que Nanni Moretti, descreve a televisão dentro dos seguintes moldes: 1) atenção aos índices de audiência (tipo: dar ao povo o que ele quer), 2) tendência para a televisão influenciar crescentemente a aquisição de bens, 3) marca cultural limitada e conformista. Acrescenta Ginsborg: além disso, uma televisão de qualidade repetitiva e pouco edificante, saturada de anúncios e técnicas de venda (observação: o produtor falido do filme de Moretti ainda tem um pequeno negócio no seu estúdio, exactamente as televendas).
Paul Ginsborg é professor de História na Universidade de Florença. Dois dos livros que publicou chamam-se A history of contemporary Italy e Italy and its discontents. Nos anos mais recentes esteve na linha da frente da mobilização da sociedade civil italiana em defesa da democracia.
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2 comentários:
não podemos comentar o filme de Nanni Moretti porque ainda não o vimos, mas gostaríamos de fazer uma pergunta sobre cinema:
num post anterior referia a saída do livro de João Mário Grilo "Lições de Cinema", mas não o encontramos nas livrarias, sabe dizer-nos se ele já saiu ou se ainda está no prelo?
os nossos cordiais agradecimentos
paula e rui lima
Penso exactamente o contrário, considero o filme estupendo. Como muita gente pensei que ia ver um filme sobre berlusconi, «fui ao engano», como alguém dizia, porque o filme é muito mais, e ainda bem.
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