Nunca havia olhado para estas fotografias. Conheci a senhora que, em criança, aparece na primeira fotografia, o ano passado falecida. Do grupo de músicos nunca soube da sua existência. Logo, vou efabular quase tudo.
A menina, ida ao fotógrafo de propósito, tem um pequeno fio em torno do pescoço e outros fios em ambos os pulsos, presumivelmente de ouro. Seria Verão, dado o vestido de mangas curtas. Os sapatos parece terem já algum uso, apesar de polidos. O cabelo é encaracolado e o ar triste ou amedrontado. Não sei se se trataria apenas do impacto perante o fotógrafo - possivelmente a primeira ida ao estúdio e a necessidade de se manter quieta, com o braço direito apoiado na cadeira, algo desconfortável porque ela era ainda pequena para a posição. Teria quê, quatro anos? Se sim, estaríamos em 1928, já dentro do tempo da Ditadura Militar que haveria de catapultar Salazar, o homem de quem se volta a falar: um concurso na televisão, um museu na sua terra natal e até um musical, como um jornal de hoje afirma.
Como seria a sua vida, brincava muito com os seus irmãos? E a mãe como se ocupava dela? Ou teria já falecido, vitimada pela tuberculose que afectou muitas pessoas da área onde vivia?
Do conhecimento - como se fosse um eco longínquo - da história de vida da criança, salto para a fotografia dos quatro músicos. No chão, vêem-se três instrumentos de corda e uma bateria. Não possuo conhecimentos para afirmar de que tipo de agrupamento se trata. Tocariam em festas um repertório popular? E passaram por alguma estação de rádio?
Apesar das duas fotografias estarem no mesmo lote, não sei se haveria algum laço de familiaridade ou de amizade entre a menina e algum dos músicos. Nem sei se pertenceriam à mesma época. Pela roupa e penteados, é possível as fotografias serem de período próximo. São rostos urbanos mas, pelo olhar duro e tímido, não viveriam economicamente muito bem. A música seria um espaço de amadorismo, se calhar a partir de uma associação de bairro. Distingue-se bem que um dos músicos é mais velho e de estatura mais baixa, enquanto os dois homens do meio envergam uma espécie de fita como hoje usam os músicos que prendem a si os instrumentos que tocam. A pose é feita de propósito para a fotografia, com os corpos muito rígidos. Por trás dos quatro homens, parece haver uma tela, como se fosse um palco. Mas há uma parte da imagem, em cada um dos lados da fotografia, sem continuidade dessa tela. E existe um degrau à esquerda.
Adenda (colocada em 27 de Março)
Recupero, aqui, um comentário recebido pelo correio electrónico e um colocado na própria mensagem, a quem agradeço profundamente:
Fiquei "encantada" com o seu artigo com uma efabulação sobre duas fotos de ± 1930. Tenho inúmeras fotos desse tipo, tanto de pais e avós, como de trisavós. Para o cenário era requerida a mesma sisudez exigida aos rostos de todas as idades. Os adereços e os adornos eram preferentemente paisagísticos ou protocolares. Exibiam-se florestas e salões onde era pedida distinção às personagens da encenação.
Outro tipo de fotos da transição de século, bem mais curioso porque livre de alguns desses constrangimentos, era o dos grupos familiares. Aqui, as pessoas sentavam-se ou encostavam-se, predominantemente num exterior de prados ou escadarias, exibindo já um esquivo e cerimonioso sorriso.
Todavia, as minhas preferidas são as dos fotógrafos de rua, que protagonizei em criança. Levada a passear por empregadas (então criadas), ansiava pela foto mensal onde os seus sorrisos exuberantes deixavam um admirável registo de descontracção.
MJE
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Jorge Guimarães Silva said...
Se os músicos da fotografia forem portugueses, o conjunto é, no mínimo, estranho: Bateria, Banjo, Guitarra e Viola de arco. Pela configuração, pode ser um dos primeiros grupos de Jazz que existiram em Portugal e que remontam à década de 1920. No entanto, também podem ser um conjunto folk americano. O banjo é estranho, já que o braço é muito curto e não me parece ter corda de polegar. É um instrumento típico da música folk norte-americana. Foi levado por escravos africanos para a América e tornou-se o instrumento típico dos negros, sendo muito utilizado no Jazz. Mais tarde, popularizou-se na Inglaterra, mas o mesmo não aconteceu no resto da Europa. A configuração da guitarra (clássica ou espanhola, mas que é também conhecida como viola ou violão) também é estranha, pois os parafusos-sem-fim estão no topo do cravelhame - como na guitarra portuguesa - ao contrário das guitarras comuns em que os parafusos estão de lado. O instrumento que está ao centro, em frente à bateria, parece ser uma viola de arco (ou violeta) e não um violino, pelo seu tamanho. Os violinos costumam ser mais pequenos. Usei o arco como referência. A bateria da foto é típica dos princípios do século XX. Os fatos dos músicos parecem ser de finais da década de 1920. Para já, do que mostra a foto é só o que posso dizer.
1 comentário:
Se os músicos da fotografia forem portugueses, o conjunto é, no mínimo, estranho: Bateria, Banjo, Guitarra e Viola de arco. Pela configuração, pode ser um dos primeiros grupos de Jazz que existiram em Portugal e que remontam à década de 1920. No entanto, também podem ser um conjunto folk americano. O banjo é estranho, já que o braço é muito curto e não me parece ter corda de polegar. É um instrumento típico da música folk norte-americana. Foi levado por escravos africanos para a América e tornou-se o instrumento típico dos negros, sendo muito utilizado no Jazz. Mais tarde, popularizou-se na Inglaterra, mas o mesmo não aconteceu no resto da Europa.
A configuração da guitarra (clássica ou espanhola, mas que é também conhecida como viola ou violão) também é estranha, pois os parafusos-sem-fim estão no topo do cravelhame - como na guitarra portuguesa - ao contrário das guitarras comuns em que os parafusos estão de lado.
O instrumento que está ao centro, em frente à bateria, parece ser uma viola de arco (ou violeta) e não um violino, pelo seu tamanho. Os violinos costumam ser mais pequenos. Usei o arco como referência. A bateria da foto é típica dos princípios do século XX. Os fatos dos músicos parecem ser de finais da década de 1920. Para já, do que mostra a foto é só o que posso dizer.
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