Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
quinta-feira, 12 de abril de 2007
MARIA FLOR PEDROSO É DA RÁDIO
É interessante assistir a um programa de entrevista na televisão e, depois, ler o que sobre ele escrevem os jornais. Foi esse o exercício que fiz após o programa de ontem com José Sócrates. Centro a minha leitura em dois jornais que li - Público e Diário de Notícias.
O Público estava mais comprometido (envolvido), pois foi o motor da polémica dos diplomas do primeiro-ministro. Dá-lhe cerca de meia primeira página - manchete e destaque do jornal e fotografia de Sócrates a meio corpo, ocupando duas colunas. Dedicou quatro páginas ao assunto e mobilizou três jornalistas, quatro colunistas (um deles sendo jornalista do diário) e obteve comentários de dirigentes dos principais partidos políticos. Dentro do rigor do jornal, as notícias assinadas por jornalistas (em espaços de notícia) são equilibradas, em especial na descrição e análise da entrevista de Sócrates. Já os colunistas expressam pontos de vista subjectivos, de acordo com o que habitualmente escrevem sobre matérias próximas. Identifico-me mais com a subjectividade expressa por António Barreto.
Embora não dentro do cânone definido por Boorstin (citado em Ana Cabrera, Missão Paz em Timor: percurso de um pseudo-acontecimento, 2001, volume colectivo com o nome O jornalismo português em análise de casos), a questão das qualificações académicas do primeiro-ministro parece-me assentar no domínio do pseudo-acontecimento. Boorstin apresentou-o como a vontade moldada por promotores para corresponder aos interesses dos media, em que aqueles constroem um acontecimento e uma estratégia de comunicação (Cabrera, 2001, p. 199). Aqui, o promotor é difuso (não canónico, como no modelo de Boorstin; ou de Dayan e Katz, quando estes escrevem sobre mega-acontecimentos ou acontecimentos preparados para a televisão e os media em geral) - um blogueiro insiste no tema e um jornal pega nele, escreve acentuadamente sobre ele, levando ao interesse de outros jornais e media em geral. O que era uma sugestão, uma ideia, cresce de peso e transforma-se em evento.
O Público, enquanto jornal que seguiu um promotor difuso, carrega com duas perspectivas, opostas segundo a minha leitura. Por um lado, teve um enorme mérito ao despoletar nos media clássicos e promover um debate nacional, obrigando a opinião pública a exprimir-se. Um jornal, o jornal Público, prova que, afinal, os jornais ainda estão interventivos - e a sua morte anunciada carece de prova. Por outro lado, o jornal carrega o ónus de escrever longamente sobre um tema, repisando observações e ângulos de vista. Não nos podemos esquecer que, noutra situação, as tendências sexuais do mesmo José Sócrates foram alimentando em fogo brando o inquirido, o qual só falou quando bem entendeu. E os media também exigiam resposta imediata, como nesta situação.
Já o Diário de Notícias, menos envolvido no assunto, deu um destaque inferior na primeira página e ocupou as três páginas seguintes a dissecar a entrevista e a apresentar outros agentes sociais e políticos que não Sócrates. Chamando-lhe "Crise da licenciatura" (uma designação tão curiosa quanto oportuna), empregou quatro jornalistas, que escreveram todo o espaço. Mas ouviram-se vozes populares (contei cinco entrevistados) e três consultores de comunicação. E o jornal usou o espaço do Editorial para falar do assunto, com o título "O exame de ontem". Respigo duas parcelas da peça, com as quais estou de acordo:
"Foi, sobretudo, convincente (que, lembre-se, não é uma virtude dos sinceros mas daqueles que convencem) quando falou das 55 cadeiras que fez para ter a sua licenciatura e quando, depois de ser ministro, aos 45 anos, decidiu estudar mais e tirar um MBA. Aí, o propagandista furou sob a pele do homem que se defendia e convidou os portugueses a estudar mais. [...] Voltando ao exame de ontem: essa licenciatura não lhe pode ser recusada. Passou e publicamente".
Isto é, há coisas mais importantes a discutir na vida política e pública portuguesa do que este tema.
Mas há dois outros pontos que quero destacar do que li hoje. O primeiro é uma frase estranha deixada por Miguel Gaspar, jornalista que leio com muito apreço, no seu comentário do Público: "Maria Flor Pedroso, que é da rádio, estava a jogar fora e deixou-se ficar num lugar mais apagado". Mas a jornalista alimenta a discussão televisiva dominical com o professor Marcelo Rebelo de Sousa e não me parece que seja assim apagada como o Miguel Gaspar escreve. É que há uma questão a considerar: o terreno televisivo é facilmente trabalhado por Sócrates. Os cidadãos nacionais conheceram-no, após o seu percurso de ministro, nos debates dominicais com Pedro Santana Lopes, onde era o menino bem comportado que estudara adequadamente a lição e apresentava os seus pontos de vista bem organizados.
O outro ponto é o receio de Sócrates quanto à blogosfera. Como bem notou Pedro Mexia no seu comentário no Público, a palavra blogosfera entrou na discussão política. E o receio de Sócrates é bem fundado: os spin doctors e os políticos aprenderam, nos últimos anos, a trabalhar com os media, em especial a televisão. Ora, os blogues representam um meio de comunicação diferente: são individuais, obedecem a agendas (ou obsessões) próprias, são meios sem estrutura - financeira, recursos humanos -, o que dificulta qualquer ingerência, seguem caminhos múltiplos (dada a grande quantidade de blogues), estão em plataformas electrónicas colocadas fora do país. O que não permite uma leitura fácil do que escrevem nem o que pretendem. Claro que a esfera pública cresceu, é menos controlável e mais democrática, pois possibilita que os que não tinham voz a passem a ter (não me refiro a blogues anónimos ou de pura calúnia). Numa plataforma em que especialmente o custo da sua instalação é zero.
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