Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
quinta-feira, 21 de junho de 2007
ACONTECIMENTOS PÚBLICOS
A colecção Minerva Ciências da Comunicação é, segundo a minha interpretação, a melhor colecção da MinervaCoimbra e de todas as colecções de livros de comunicação em Portugal. Mário Mesquita, o director da colecção, e os editores, Isabel e José Alberto Garcia, desenharam um bom modelo de embalagem para livros de maior densidade teórica dentro da área da comunicação, diferenciando-se da colecção Comunicação. Entre outros da colecção Minerva Ciências da Comunicação refiro os livros de João Maria Mendes (Por quê tantas histórias. O lugar do ficcional na aventura humana) e Mário Mesquita (O quarto equívoco. O poder dos media na sociedade contemporânea). São obras de um grande fôlego conceptual e pertencentes a dois dos melhores pensadores destas coisas da comunicação.
Agora, aparece outro livro da mesma colecção, pertencente a Isabel Babo-Lança, A configuração dos acontecimentos públicos. O caso República e as manifestações nos Açores em 1975. Docente na Universidade Lusíada (professora associada) e com doutoramento em sociologia na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris, o texto agora publicado por Isabel Babo-Lança trabalha o acontecimento enquanto "qualquer coisa que acontece, aquilo que ocorre (facto, evento ou ocorrência), que é fortuito ou imprevisto" (p. 25). Os dois acontecimentos que a autora escolhe são o caso República (disputa entre jornalistas e tipógrafos, encerramento do jornal) e as manifestações separatistas nos Açores.
Retiro ideias que a autora escreve nas páginas 175 e 176: as interpretações do caso República por dois conceituados académicos (e então jornalistas), José Rebelo e Mário Mesquita. Para o primeiro, a ocupação do jornal foi da responsabilidade da extrema-esquerda (Rebelo era, à altura, correspondente do Le Monde); para o segundo, o Partido Comunista teria responsabilidades, mesmo que indirectas (Mesquita trabalhou no República).
Para Isabel Babo-Lança, o tema do jornal suscitou muita adesão em termos de opinião pública (a partir de 19 de Maio de 1975). É que surgiria o Jornal do Caso República (em 29 de Maio de 1975) a publicitar uma outra versão do conflito que não a dos comunicados surgidos no próprio jornal. Era a tribuna pública dos jornalistas e direcção substituídos dez dias antes (um jornal República sairia em França, dentro do Quotidien de Paris, elaborado pelos jornalistas do jornal português, em 23 de Junho, ultrapassando o espaço público nacional). Conclui a autora que foi "um tipo específico de jornalismo, na medida em que, sendo «o jornal do caso», o seu assunto e objecto eram a própria imprensa e os princípios da informação" (p. 177). Duas páginas à frente, escreve que os dois casos se constituiram como problemas públicos pois um era um atentado à liberdade de imprensa (jornal) e o outro uma reacção ao processo político iniciado no ano anterior (manifestações nos Açores).
Com uma forte opção teórica, o capítulo II da quarta parte é uma parcela a ler com atenção (e que o olhar em diagonal ao livro por parte do blogueiro o inibe de tecer comentários mais ajuizados). Nele, Isabel Babo-Lança escreve sobre tempo, narrativa e acontecimento. Um dos autores preferidos: Paul Ricoeur. A temporalidade aparece dividida em duas partes: 1) a das acções e das ocorrências que se desenrolam no tempo, 2) a da actividade de configuração. À cronologia acrescentam-se as recepções e redescrições. Mas também a intriga e a narrativa.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário