sexta-feira, 1 de junho de 2007

A CASA DAS VIRTUDES NÃO EXISTE


Hoje, ao ler o texto de Fernanda Câncio, no Diário de Notícias (página 7), entendi melhor a mensagem que pretendeu passar na peça jornalística de anteontem.

Na peça de hoje, relata a decisão de um juíz de instrução sobre um estupro. Decisão infeliz num caso triste.

Na notícia de quarta-feira, começava pela transcrição do acórdão do Supremo; hoje, contextualiza o caso e a decisão e conclui com muita ironia: "Na verdade, parece, nem houve crime nenhum". Nos dois casos, existe, da parte da jornalista, interpretação simultaneamente muito impressionista das ocorrências, e muito subtil. Ora, os leitores nem sempre estão artilhados com essa sabedoria que deles se espera.

Os dois textos desta semana, em conjunto, recordam a forma das peças de Fernanda Câncio quando fazia tandem na página com Ana Sá Lopes à sexta-feira, e cujos estilos se complementavam e forneciam uma leitura muito agradável (a opinião do leitor é que o jornal era bem melhor do que o modelo actual, mas ao leitor resta uma solução: comprar ou não comprar, manter ou não a rotina de ler o jornal). Nessa altura, havia uma ironia mais fina sobre os temas observados.

Pelo retrato que a jornalista faz, a justiça nacional está a cometer erros graves, para além da tradicional lentidão. E faz-me lembrar O ovo da serpente, filme de Bergman (1977), cuja história destaca o modo como o nazismo (ou outro totalitarismo) começou a entrar na democracia.

Mas há algo que eu não compreendo no jornal. É justo denunciar os erros, as falhas. O problema é quando, vinte páginas à frente, no mesmo jornal, a secção "Relax" continua a ocupar uma página e anúncios como "Beleza - Requinte. Charme - Clamour" se mantêm (cor introduzida por mim). A secção é tão violenta como as decisões dos juízes.

Afinal, o jornal tem dois pesos e duas medidas: 1) a informação, 2) a publicidade. Territórios vedados um ao outro (pelo menos o jornalismo face à publicidade). A jornalista não pode criticar as opções da direcção da empresa; o provedor do leitor não pode porquanto a sua função reside no escrutínio do que se escreve nas notícias. Quem pode?

3 comentários:

Manuel Pinto disse...

Não partilho da ideia de que o provedor não pode agir, perante a situação apresentada. Basta ler o ponto 2 do Estatuto do provedor dos leitores do DN:

2. Compete ao provedor dos leitores:
2.1 Analisar as reclamações dúvidas e sugestões formuladas por escrito pelos leitores.
2.3 Analisar e criticar aspectos do funcionamento e do discurso dos media que se possam repercutir nas reclamações com os respectivos destinatários.
3. O provedor dos leitores exerce a sua função crítica através da secção semanal que publica no Diário de Notícias, da inserção pontual de textos (sempre que a importância do assunto o justifique) e de recomendações internas dirigidas à Direcção e ao Conselho de Redacção.
4. No exercício das suas funções, o provedor dos leitores pode solicitar à Administração, à Direcção, aos editores, aos jornalistas e ao Conselho de Redacção esclarecimentos sobre questões com incidência ética e deontológica, os quais devem ser prestadas, por escrito, no prazo de 72 horas.

Rogério Santos disse...

Obrigado, Manuel.

Anónimo disse...

Quanto aos dois artigos será que a decisão foi mesmo infeliz, alguém a leu ?