Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
segunda-feira, 17 de setembro de 2007
VOLTA, LOBO
O melhor do Público de hoje são as duas páginas dedicadas a António Sérgio, o homem que esteve na origem de programas da rádio como Som da Frente ou Lança-Chamas, na Rádio Comercial. Ele foi agora despedido.
Quem o retrata bem é Miguel Esteves Cardoso (por um momento, lembrei-me do cronista do tempo em que mandava histórias de Manchester para o semanário O Jornal; o que eu aprendi, então, com ele). Escreve Miguel Esteves Cardoso: "Os espanhóis da Prisa fizeram bem em despedi-lo. Estando livres de gratidão, memória ou preocupações da representação da boa música em Portugal, tiveram a coragem que faltou aos antecessores portugueses, ainda demasiado constrangidos pelo reconhecimento e pelo medo da superioridade musical de António Sérgio. [...] Vai ter sorte a estação de rádio onde voltará a tocar a música de António Sérgio. Mas que fique desde já avisada que escusa de tentar desviar a caminhada do bicho. Em vão agitará no corredor papéis com números de audiências ou os amoques de focus groups".
Quem retrata igualmente muito bem António Sérgio é o fotógrafo Miguel Madeira. A legenda da imagem indica-nos que foi tirada no domingo, já o homem da rádio estava sem programa. O que se vê? À esquerda um candeeiro de duas lâmpadas deixa António Sérgio em semi-escuridão. À frente, dois telemóveis , um molho de chaves e um cinzeiro. Parece que ele espera uma chamada de uma estação de rádio a convidá-lo. Mas o rosto é a componente mais expressiva. Igualmente a postura do corpo, inclinado para a mesa onde se deixa fotografar.
Faço uma dupla leitura da imagem. De um lado, há um ar de desilusão profunda, misturado com uma revolta contra alguém, que a posição dos braços cruzados apoia. Mas, de outro lado, a barba, o nariz proeminente, as rugas por baixo dos olhos - isto é, a configuração de si mesmo -, conferem-lhe um ar de majestade, de imponência, de alguém que sabe enfrentar mais e mais confrontos sem perder dignidade e sabedoria. A posição de defesa do corpo e do rosto é uma falsa verdade: ele está apenas num momento de pausa, pois a tensão do olhar, braços e inclinação do corpo indiciam estar apto a saltar. Para lutar, para um novo desafio.
Estava a pensar, quando li a notícia, na estação Radar, um bom lugar para as músicas de António Sérgio. Com duas dificuldades: a estação é local (apesar da internet) e está a passar por uma fase de nostalgia, que a pode aproximar perigosamente da RFM.
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