quinta-feira, 11 de outubro de 2007

INDÚSTRIAS CULTURAIS VERSUS INDÚSTRIAS CRIATIVAS


No volume Cultural Industries. The British experience in international perspective, de Eisenberg, Gerlach e Handke (editoras), Susan Galloway e Stewart Dunlop ("Deconstructing the concept") escrevem um texto em que procuram desconstruir o conceito de indústrias criativas.

Os dois autores partem da necessidade de distinguir indústrias criativas e indústrias culturais, desde 1998 associadas pelas iniciativas do governo inglês. É que, dizem, os significados e os usos dos dois conceitos são diferentes. Em pano de fundo, a tensão entre mundo de comércio e arte (p. 34). Galloway e Dunlop criticam implicitamente a noção de indústrias criativas, a que acusam de falta de clareza teórica (p. 48).

Adorno e Horkheimer, os fundadores do termo indústria cultural, tinham em mente a distinção entre artes criativas baseadas no artesanato e formas culturais produzidas industrialmente. O que significa que os dois alemães se referiam, quando falavam em indústrias culturais, ao cinema, música gravada, audiovisual e edição, com incorporação de entretenimento comercial, métodos industriais de produção de massa e, até, políticas governamentais quanto à cultura. Galloway e Dunlop vêem aqui a ligação com as perspectivas do governo francês e da UNESCO.

Ao adoptar a frase indústrias criativas, continua a ler-se no texto que sigo, o governo trabalhista inglês fez o inverso: colocou as indústrias criativas na agenda económica e política. As indústrias criativas têm um carácter mais unificador e democrático que as indústrias culturais, fazendo a ponte entre alta e baixa cultura, entre arte elaborada e arte popular, entre arte e indústria. Isto quer dizer – renomeação da cultura (ou re-branding, como Andy Pratt e outros cunharam). A questão, coloca-se no texto, é se se trata de uma simples mudança na linguagem, um exercício de marca ou uma mudança significativa quanto à cultura.

Muitas definições de indústrias culturais assentam na combinação de cinco principais critérios – criatividade, propriedade intelectual, significado simbólico, valor de uso e métodos de produção (p. 35). Ora, os dois primeiros são critérios comuns igualmente às indústrias criativas. Melhor ainda: criatividade é uma noção aplicável a qualquer indústria. Já o significado simbólico, nas palavras de Justin O’Connor (referido na p. 38), é uma marca das indústrias culturais, pois o valor económico primário advém do seu valor cultural. Contudo, para além das indústrias culturais clássicas – cinema, media, edição, indústria fonográfica, design, arquitectura e novos media –, engloba as artes tradicionais – artes visuais, teatro, literatura, museus e galerias.

No texto que acompanho, é destacado outro autor, David Throsby, que opera com quatro elementos atrás indicados: criatividade, propriedade intelectual, sentido (ou significado) simbólico e valor de uso. Dito de outro modo: 1) as actividades das indústrias culturais envolvem formas de criatividade na sua produção, 2) as indústrias culturais dizem respeito à geração e comunicação de significado simbólico, e 3) os seus produtos corporizam uma forma de propriedade intelectual (p. 39). Central à análise de Throsby estão as artes criativas como música, dança, teatro, literatura, artes visuais, artesanato e as formas novas como o vídeo e o multimedia. O mesmo autor acrescenta outras indústrias, como publicidade, design e arquitectura.

Um outro autor referenciado no estudo que sigo, (
Terry Flew, p. 13), levanta uma questão pertinente – se se diz que uma indústria produz conteúdo simbólico, será que podemos ver no design da Coca-Cola uma indústria cultural?

Galloway e Dunlop sinalizam que duas características fundamentais das indústrias culturais – e aí seguem Hesmondhalgh – são o significado simbólico e os métodos de produção à escala industrial. O que inclui cinema, audiovisual, edição e música gravada. As artes criativas não empregam métodos de produção à escala industrial, pelo que são removidas do conceito de indústria cultural. Hesmondhalgh entende que as artes criativas, como o teatro e as artes visuais, são periféricas às indústrias culturais.

Os dois autores de Deconstructing the concept falam da distinção cultural, constituida por factores de ordem política/ideológica e económica. As actividades culturais, acentuam Galloway e Dunlop, desempenham um papel central na liberdade de expressão humana, o que liga directamente às questões da democracia (p. 45). A questão económica das actividades culturais é explicada pelo interesse governamental nas indústrias criativas. Basta pensar na importância que a música e o cinema – e toda a cadeia de valor, que inclui concertos e empresas fornecedoras de serviços – têm no Reino Unido. Sempre com vista para o PIB produzido por estas actividades.

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