Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
quinta-feira, 6 de dezembro de 2007
DAVID BECKHAM ENQUANTO CELEBRIDADE
[texto baseado na leitura de capítulo de livro de Momin Rahman, publicado em 2006]
No seu livro Understanding celebrity, Graeme Turner (2004) fornece uma perspectiva compreensiva da vasta literatura sobre os temas da celebridade e da fama, dando um quadro geral de interesses, divididos entre o significado da explosão aparente da cultura das celebridades e a focagem nas próprias celebridades.
Dentro da literatura sobre o significado social da cultura da celebridade, Rahman percepciona dois temas centrais. Primeiro, a cultura da celebridade é uma manifestação do consumo globalizado de bens no capitalismo avançado; segundo, a sua função social como sistema de significados e valores suplantando recursos tradicionais para as identidades pessoal e social na cultura moderna tardia, incluindo estruturas como classe, género/sexualidade, etnicidade e nacionalidade.
Há um fascínio mediático em certas celebridades, caso de David Beckham. Dado o seu reconhecimento na Europa, Ásia, América Latina e África, Beckham é uma figura quantificável na cultura contemporânea global. Qualquer medida em celebridade e fama colocam-no no topo. Além de que publicações académicas recentes sobre ele analisam-no enquanto exemplo de celebridade e cultura desportiva, como Momin Rahman, para quem Beckham aparece como manifestação chave da interdependência complexa entre desporto e indústrias mediáticas globalizadas. A autora olha-o igualmente a partir da teoria da masculinidade como nexo central no "circuito cultural", o que faz as histórias relevantes, compreensivas e controversas [imagens retiradas de Wallpapergate.com].
G. Whannel (2002, Media sports stars: masculinities and moralities) sugere que Beckham é uma figura notável, quer por causa do estatuto de celebridade como jogador quer porque transgride a disciplina e a ética de trabalho associada aos desportistas, através do consumo sumptuário. Curiosamente, Beckham emerge durante o desenvolvimento da imprensa de estilo masculino no Reino Unido (1984-1990), em que se mostram homens muito sexualizados – estratégia representacional até aí aplicada apenas às mulheres.
Beckham é uma espécie de celebridade pós-moderna ou híbrida, aparecendo livre no contexto e significado de muitos grupos. O editor da revista GQ disse um dia que Beckham tinha um toque feminino mas era obviamente heterossexual. Esta dissonância chama a atenção para a reflexividade sobre a construção destas representações, aproximando-se da hiperrealidade que Baudrillard costuma ilustrar. Dyer, por seu lado, argumenta que as estrelas de cinema podem ser lidas como signos para versões específicas de individualidades, como classe, etnia e género/sexualidade. Para além da construção efectiva da masculinidade, há a incorporação de um interesse feminino na moda (estilo de cabelo, verniz nas unhas, apresentação em geral e a afirmação de ícone homossexual/objecto de desejo).
Para ser mais preciso, há uma construção de deferência para o estatuto profissional de Beckham e para a sua família, como celebridade de primeiro nível no Reino Unido. Deferência e respeito não apenas nas revistas que pagam para ter o privilégio de acesso mas também nos semanários mais orientados para os boatos. Ao respeito pela celebridade há também um sentido de ridículo, muitas vezes em publicações discretas e ainda dentro das mesmas revistas oudo mesmo artigo. O ridículo elimina as credenciais da celebridade em termos de extravagância e glamour, implicando a vulgaridade de ícone de moda, caso dos cortes de cabelo de Beckham, indo do rabo de cavalo ao estilo moicano (punk).
Leitura: Momin Rahman (2006). “Is straight the new queer? David Beckham and the dialectics of celebrity”. In P. David Marshall (ed.) The celebrity culture reader, pp. 223-227
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