terça-feira, 4 de março de 2008

MEDIA, RELIGIÃO E RITUAL


No próximo dia 7, pelas 15:00, no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS, Av. Prof. Aníbal de Bettencourt, 9), realiza-se uma conferência de Filipe Reis (Departamento de Antropologia do ISCTE intitulada Intersecções entre Media, Religião e Ritual: o consumo de rádio e santuários numa audiência-comunidade.

O resumo da conferência de Filipe Reis (interna para alunos de programas de pós-graduação do ICS, mas com elevado interesse para quem estuda os media) é o seguinte:


Partindo de um estudo etnográfico sobre a produção e o consumo de um programa radiofónico, procuro rever e questionar a forma como os conceitos de media, religião e ritual vêm sendo apropriados pela teoria da comunicação e pelos estudos dos media. Se nos lembramos da célebre frase de Hegel (que Benedict Anderson tão bem recuperou) – “a leitura do jornal, para o homem moderno, é um substituto das orações matinais” – facilmente se percebe que estamos perante uma velha intuição, tão velha quando a história do que hoje chamamos meios de comunicação de massa; mas só recentemente voltou à tona. Uma corrente que poderíamos designar de culturalista (e que tem procurado, por diversas vias, escapar ao clássico processualismo que dominou os estudos de comunicação) vem usando os conceitos de ritual e religião para explicar os massivos fenómenos comunicacionais da era da televisão. Um dos argumentos mais conhecidos afirma que a televisão, ou mais propriamente, certos acontecimentos mediáticos transmitidos para largas audiências televisivas, desempenhariam nas sociedades contemporâneas um papel semelhante ao que outrora, nas sociedades pré-modernas, era desempenhado pelo ritual. Outros argumentos têm ido mais longe, afirmando que os media são o lugar do religioso nas sociedades contemporâneas.

O argumento que aqui desenvolvo vai noutro sentido: tendo em consideração as revisões e críticas a estes argumentos neo-durkheimianos e à banalização do conceito de ritual por parte de muitos teóricos dos media, interessa-me menos a ideia de os media eventualmente substituírem ou funcionarem como ritual ou religião nas nossas sociedades e interessa-me mais explorar como os media intersectam o campo da ritualização e da religiosidade. Interessa-me, sobretudo, explorar como, de tal intersecção, podem surgir novas formas de interacção social e de consumo.

O meu contexto particular é um programa radiofónico. O programa em questão tem um formato interactivo e é emitido por uma rádio local sediada em Bragança; existe desde 1990 e é ouvido e consumido por uma audiência, consideravelmente vasta, maioritariamente composta por população rural espalhada pelas aldeias e vilas do nordeste do país. O meu estudo etnográfico deste “talk show” (realizado entre 1999 e 2003) analisa o que acontece quando certas práticas religiosas e devocionais (como a oração matinal, a romaria a santuários e o culto dos santos) se tornam objecto de mediação (no sentido que Martín-Barbero e outros dão ao termo) e de mediatização, dando origem a novas formas de consumo de rádio e dos santuários locais, e a um processo de espectacularização da prática religiosa entre uma audiência-comunidade chamada “Família do Tio João”.

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