quarta-feira, 12 de março de 2008

NOTAS PARA UMA AULA DE TEORIA DA COMUNICAÇÃO (6)


A tese de doutoramento de Harold Innis (1894-1952) foi sobre a geografia histórica da linha ferroviária Canadian Pacific, que ligava o país de costa a costa. Innis descobrira que o caminho de ferro cobria o velho percurso do comércio das peles, e isto levou-o a compreender as principais actividades da economia canadiana nos séculos XVIII e XIX; não apenas as peles mas também a pesca (do bacalhau), a madeira e o papel.

O que guiou a economia canadiana não foram apenas factores indígenas. O comércio de peles no século XVIII e XIX foi condicionado pela moda na Europa, caso das peles para os chapéus em França e Inglaterra.


Nos seus estudos, Innis levantou-se o tema da fronteira e da fileira da retaguarda [back tier]. Por um lado, o avanço da construção do caminho de ferro afastava a fronteira; podemos dizer que a British Columbia, mais a ocidente do país, não teve existência até quase ao final do século XIX (em termos industriais). Por outro lado, a linha de fronteira externa tinha uma primeira linha na Europa e, por extensão, a economia e o desenvolvimento das comunicações norte-americanas eram parte da trajectória da história europeia. O desenvolvimento da América do Norte foi determinado pelas políticas e lutas das capitais europeias. Com a independência dos Estados Unidos (4 de Julho de 1776) e o declínio da influência europeia, a linha de contacto [back tier] comercial e cultural mudar-se-ia para os centros metropolitanos do Canadá e dos Estados Unidos, com um controlo mais forte nas cidades de Nova Iorque e Washington (e Chicago). Reduzia-se o peso das linhas de comércio ao longo do Atlântico e privilegiavam-se as novas rotas para o sul (Estados Unidos).


O estudo de Innis sobre a manufactura do papel trouxe-o para a área da comunicação. O impasse comercial e cultural canadiano consistia no seguinte: os Estados Unidos importavam a matéria-prima da imprensa (papel) no vizinho Canadá e exportavam para o Canadá os produtos acabados – jornais, revistas, livros e, sobretudo, publicidade.

A importação de matérias-primas do Canadá era vista, nos Estados Unidos, dentro da perspectiva do livre comércio, enquanto que se enviavam os bens culturais, exportados para a vizinhança em nome da liberdade de informação. Podemos inferir daqui o início do imperialismo americano: o estilo de vida americano passa pela circulação global de bens culturais – filmes, televisão, música popular.

Um constrangimento fundamental no âmbito das acções humanas é imposto pelas características temporais e espaciais dos recursos existentes em termos de movimento e comunicação com os outros. Por exemplo, se a sociedade tem apenas a fala como meio de comunicação, a resposta de Innis é que tais sociedades são especialmente pequenas em escala. Há uma memória social do grupo – o seu conhecimento no presente sobre como, quê e quando fazer coisas vieram de práticas passadas – é oralmente transmitido na linguagem falada e passada de geração em geração.

Ora, sistemas de escrita desenvolvem sistemas de coordenação e controlo de actividades humanas ao longo do tempo e do espaço. A escrita é um sistema de registo: uma forma de apresentar as coisas de modo que a informação possa ser transmitida pelo espaço a grandes distâncias e preservada no tempo como registo do que foi dito e feito.

Os diferentes media, usando materiais diferentes, têm consequências diferentes no controlo do tempo e do espaço. A isto Innis chamou a parcialidade [ou viés ou tendência] da comunicação. Ele notou a importância das tecnologias da escrita para o estabelecimento e manutenção dos impérios –a criação de blocos de poder alarga-se a grandes distâncias e preserva-se por longas gerações. A escrita produz um efeito imediato entre letrado e iletrado, educado e não educado. Ter competências de leitura e escrita é ter o passaporte para a emancipação individual.

A literacia faz nascer as elites educadas que gravitam em torno dos centros de poder. Assim, para Innis, a distinção histórica geral em termos de comunicação é a que existe na cultura oral e literária. A visibilidade e energia da cidade-estado grega reflecte o poder da palavra falada. Roma começou por ser igualmente uma cidade-estado mas o seu império cresceu e a sua cultura cívica e republicana conduziu a uma regra imperial centralizada, jurídica, burocratizada e militarizada. Isto teve necessidade de meios eficientes de transporte e comunicação.

Innis propôs uma nova tese sobre a história do mundo e as transformações dos impérios e civilizações. A formação de sociedades estáveis, sedimentadas ao longo de gerações, é parcialmente determinada pelas formas existentes de transporte e comunicação. A mobilidade de pessoas, mensagens e bens é conduzida por considerações económicas e políticas materiais, associadas à gestão do tempo e do espaço.

A materialidade do meio através do qual a comunicação tinha lugar e a informação era registada, guardada e circulava, era o elemento principal, não o seu conteúdo. A linha divisória fundamental, relativamente à comunicação na história mundial, era o resultado das tecnologias da escrita, que separa o mundo em culturas letradas e não letradas.

Leitura: Paddy Scannell (2007). Media and communication. Londres, Thousand Oaks, CA, Nova Deli e Singapura: Sage, pp. 124-129

1 comentário:

Anónimo disse...

A tese é um exemplo do reconforto que da a leitura do sabido e dito e anunciado... Sera?
Reconforto, nao. O contrario: o desconforto que sobra no fim, ao constatarmos que nos entretemos a seguir caminhos que ja nao andam nem nos levam... a lado algum.