Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
segunda-feira, 21 de julho de 2008
AMADORISMO
O livro de Andrew Keen, O Culto do Amadorismo, pode dividir-se em duas partes: de um lado os sete primeiros capítulos, publicados em 2007; do outro lado, o oitavo capítulo, já com observações sobre acontecimentos deste ano. Mas é evidente a sua perspectiva, a da defesa dos cépticos face à considerada Web 2.0, opondo críticos aos utópicos digitais ou os pragmáticos aos tecno-utópicos, num tempo de celebração do amador, do YOU, como apareceu na capa de uma revista americana de grande audiência.
Posto de outro modo: Keen define amador como "alguém com um passatempo, que implique conhecimentos ou não, alguém que não ganha a vida com esse interesse, um leigo, sem credenciais, alguém que «dá uns toques»" (p. 48). Amador é, ainda para Keen, aquele que cola, remistura, empresta, copia - isto é, rouba a propriedade intelectual, o que vai contra a ética de respeitar a criatividade dos outros (p. 136). O que parece grátis - Google, YouTube, MySpace, FaceBook - está a custar uma fortuna. Isto porque estas empresas não criam emprego mas geram tão somente lucro, andando a dizimar as indústrias editorial, musical e noticiosa através do que chamam "agregação" (p. 39).
Quais, então, os principais alvos de acusação por parte de Keen? Os blogues (que roubam a informação dos jornais), a Wikipedia (em que os pouco conhecedores exercem pressão sobre os especialistas e alteram os verbetes das entradas da Wikipedia), o YouTube (em que vídeos sem qualquer qualidade são vistos por milhões de visitantes). Por exemplo, os jornais empregam jornalistas profissionais, que adquirem a sua arte mediante instrução e experiência (p. 56). A Time Warner ou a Disney criam e produzem filmes, música e televisão, ao passo que a Google é um parasita, em que o seu único feito foi ter arranjado um algoritmo que liga conteúdos e cobra aos anunciantes desde que estas hiperligações recebam cliques (p. 130). Há, continua, o escarnecer da celebração antiga do trabalho duro, da disciplina, da frugalidade e da abnegação, em troca das valorizações irracionais e dos milionários instantâneos (p. 145).
O amador é, na perspectiva de Keen, um pirata que, em vez de criar, rouba ao remisturar. Um exemplo: os jornais e as revistas, fontes fidedignas de informação sobre o mundo, estão a perder leitores, em detrimento de blogues e sítios gratuitos, que vão buscar sempre a informação aqueles (p. 23). A estes amadores, Keen chama-os de macacos. E lembra a história de T. H. Huxley, para quem se dêssemos máquinas de escrever infinitas a macacos infinitos, algum macaco acabaria por criar uma obra-prima (p. 18). Milhões de amadores produtores de vídeo colocados no YouTube talvez resultem no surgimento de uma obra-prima, conclui Keen.
Mas Andrew Keen diz porque escreve assim. Confessa-se quase logo no começo do livro, quando descreve a ida a um acampamento em Setembro de 2004, onde se encontrou com outros utópicos de Sillicon Valey (p. 26). Aí passou de crente a céptico, ele que quase ficara rico com a internet - com aquilo que hoje critica. Chama-lhe a grande sedução (título do primeiro capítulo) e descreve o seu audiocafe.com, um sítio onde quis colocar toda a música a disponibilizar a toda a gente.
O oitavo capítulo é o reconhecimento de que se devem aproveitar as potencialidades da Web 2.0, mas em que os verdadeiros criadores sejam recompensados pelo seu esforço e remunerados e reconhecidos por isso. Volta ao exemplo da Wikipedia e fala da cisão entre Larry Sanger e Jimmy Wales, com aquele a propor autoridade face a um igualitarismo radical (p. 173). Objectivo: ter um trabalho de boa qualidade na internet aproveitando as tradições e o profissionalismo dos media anteriores (p. 175).
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