Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
domingo, 14 de setembro de 2008
SOBRE BELEZA E FEALDADE
Sou leitor assíduo da coluna de Pedro Mexia no Público de sábado. Jornalista, escritor, animador de tertúlias, agora director-adjunto da Cinemateca Portuguesa, é um intelectual à moda antiga (mas aceitando as questões da cultura de massa). Pega em questões aparentemente comezinhas, trabalha-as e faz um enquadramento filosófico. Como a página do jornal é um bem espacial limitado, a escrita é curta, ficando apontamentos e sugestões no ar. Mas ele retoma-as na semana seguinte, ainda que começando com outro assunto. A reflexão está lá, a limpidez também, a boa carpintaria igualmente.
Disse acima que Mexia pega em questões que parecem vulgares. Mas não, ele fala de modernidade (tenho dificuldade em dissociá-la da pós-modernidade, mesmo depois de ler John B. Thompson), das questões que assolam a sociedade de hoje. Escreveu já sobre o público e o privado, orientações sexuais, o ter namorada(s), a gordura (as pessoas gordas). E muito sobre cinema ou literatura (como o fez ontem, ao recordar Cesar Pavese). Mais atrás escreveu sobre beleza.
Retenho este tema, sem retomar o que publicou Umberto Eco (beleza e fealdade) ou, mais atrás, Immanuel Kant (belo, sublime, trágico, gosto). O título da peça editada por Mexia a 12 de Abril deste ano era "Feio" [eu ainda não tinha arranjado oportunidade para falar disto].
O escritor partiu do título de um livro Feo!, de Gonzalo Otalora. Otalora, numa fotografia de adolescência é mesmo feio: com borbulhas, óculos de grandes aros, rosto oval e riso tonto. Só não se percebe se ele vestia mal, mas tudo indica que sim. Conta o autor argentino que, em criança, todos gozavam com o aspecto dele e as raparigas se afastavam nas festas.
O ponto de partida de Otalora é o seguinte: vivemos numa sociedade que violenta os feios. Modelos, actores e celebridades são todos esbeltos, bronzeados e jovens. Isso vê-se no cinema, nas telenovelas, nas revistas de coração (caso da revista de sexta-feira do Diário de Notícias sobre televisão). Quantas mulheres feias publicou a Caras na sua capa? Pedro Mexia recorda-nos a cintura impossível de Kate Moss.
Gonzalo Otalora não é hetero ou metrossexual, é tão só feiossexual, uma categoria inventada pelo nosso cronista. O feiossexual opõe-se ao actual culto da beleza física, que é também o triunfo do sucesso e da eterna juventude, mitos modernos. Mexia não fala mas eu lembro dois ícones do século XX: Marilyn Monroe e Diana Spencers. Ambas morreram tragicamente ainda jovens. Belas - as imagens estampam-se quase diariamente nos media, não com ar angélico mas de sex symbol ou de mulher buscando a independência. Ou dos músicos, como Jim Morrison (Doors), Ian Curtis (Joy Division) ou Kurt Cobain (Nirvana). A eterna juventude "consegue-se" à custa do desaparecimento prematuro, da derrota do indivíduo perante a fatalidade. Mas pode ler-se afinal como um sucesso - foram fortes e mediáticos(as) nas suas áreas de actuação e o preço da eternidade mediática é a morte precipitada.
O feio, volto ao texto de Pedro Mexia, deve revoltar-se. E propor e lutar por conseguir um imposto sobre a beleza. Isto porque as pessoas bonitas beneficiam no emprego e têm uma vida sexual mais variada. Os feios não têm essas vantagens.
Pedro Mexia esqueceu-se, porém, de um pormenor. CR7 (Cristiano Ronaldo com a camisola nº 7) será belo para ter Merches Romero, Nereidas ou Letizias diferentes em cada semana ou cada dia? O rapaz embrulha-se no que diz e faz (na grande semana de glória do Público, em que o jornal foi responsável por um vídeo dando conta do assalto a um banco em Campolide e fez uma entrevista ao craque de futebol em exclusivo mundial), ele reconhece que a novela de Verão "Manchester United versus Real Madrid" foi culpa dele em grande parte. Aqui, na minha óptica, os suspiros femininos não vão tanto para o penteado de CR7 mas para a conta bancária. O feio transmuta-se em belo se possuir uma carteira muito recheada.
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