Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
segunda-feira, 15 de setembro de 2008
SOBRE O JORNALISMO COMO PROFISSÃO MUTANTE
O texto de Paulo Querido no Público do passado sábado sobre jornalismo é um contributo importante para a compreensão do jornalismo de papel. Escreve ele, em dada altura, que, quanto mais banda larga disponível, haverá maior quebra nas vendas dos jornais. Num outro sítio, escreve que o emprego no jornalismo tende a ser mais freelance que o emprego com garantias e salário fixo. Escreve ainda sobre os pequenos editores (como os blogues), a publicidade e a maturidade dos jornais gratuitos - que são, no fim de contas, jornais de papel. Embora de modo mitigado (e compreendo-o muito bem), Paulo Querido (Mas Certamente que Sim) anuncia uma nova tendência possível: a par de despedimentos, há também contratações.
É um artigo preciso e corajoso. O qual me obrigou a pensar, eu que tenho responsabilidades no ensino de jovens que escolhem precisamente esta profissão (ou arco de profissões em torno dos media). Que direi aos meus estudantes? Que têm o desemprego ou a não entrada na profissão como perspectiva mais provável? Lembro-me de um artigo recente de Vasco Pulido Valente, extremamente ácido, afirmando que o jornalismo é um curso muito vago (a propósito de um grau académico da candidata à vice-presidência americana), o que causa mais dúvidas e perplexidades a quem se candidata ao curso universitário e à profissão.
Felizmente que Paulo Querido não tem razão. Explico-me melhor. A leitura dos jornais e dos media electrónicos de hoje dá conta da falência do quarto banco americano (Lehman Brothers) e das consequências em cadeia, como as quebras nas bolsas asiáticas e europeias (e, presumo, americanas). De Espanha, a indústria do imobiliário continua em queda, arrastando um pessimismo nas bolsas e nas actividades em geral. Ontem, o Observer trazia uma análise da situação económica do Reino Unido que poderei descrever como catastrófica, como a deslocalização de fábricas. Mesmo a Jaguar Land Rover, agora em mãos indianas, vai sofrer cortes. Um analista diz que muitas empresas já cortaram em actividades fora do negócio principal, o chamado outsourcing, pelo que não resta mais nada senão fechar as empresas.
Ou seja, Paulo Querido não tem razão, porque a realidade económica internacional está toda pessimista. Claro que isso dá-lhe razão - esperando todos nós que seja uma crise apenas conjuntural. O desemprego que se detecta no jornalismo segue a tendência das outras actividades. O que há é uma reflexão maior sobre o jornalismo - nos próprios media. E Paulo Querido é um bom analista - como igualmente o director do Público, José Manuel Fernandes, de quem li um ou mais artigos nos meses mais recentes e sobre a mesma temática. Se profissionais de outras profissões tivessem acesso regular leríamos mais artigos realistas mas pessimistas.
Observação: o jornalista, no seu Mas Certamente que Sim, atenua a coragem revelado no artigo: "escrever um dia destes um artigo sobre o futuro do papel electrónico, que só por milagre de multiplicação das rosas económicas poderá substituir o papel enquanto suporte pessoal mas talvez tenha uma hipótese como herdeiro, também, dos jornais murais, disponível na paisagem urbana seguindo os passos dos… televisores".
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1 comentário:
Rogério, obrigado pela sua crítica.
Não pretendo negar a relação entre o mercado contratual jornalístico e os mercados de trabalho em geral. Dentro destes, os mercados ligados às indústrias culturais têm sido dos mais fustigados, à medida que as grandes indústrias foram perdendo o domínio que exerciam sobre a distribuição (a música é o exemplo paradigmático).
No entanto, na peça para o Público olhei para os sinais particulares do jornalismo. Que além da crise económica global, e das mudanças trazidas pelo digital às indústrias culturais, ainda enfrenta desafios exclusivos, que se prendem com a percepção que o público tem do papel do jornalista, que muitos autores julgam poder substituir no todo ou em parte pelo conteúdo gerado pelo utilizador.
Em síntese: além da crise conjuntural que partilha com demais actividades, o jornalismo passa uma crise estrutural que se opera a 3 níveis: económico, filosófico e de relacionamento.
Fiquei muito agradado com os editores do Público em particular neste artigo porque mantiveram a minha sugestão de título e a minha entrada -- os elementos mais amiúde adaptados pelas chefias às necessidades e tipologias de cada edição. E fiquei porque é em rigor disto que se trata: de uma profissão em mutação como poucas. O jornalismo muda não apenas na sua economia (radicalmente neste ponto) como na sua relação com o meio ambiente (perde verticalidade, ganha horizontalidade) como na perspectiva de produção (passa a reticular e contínua, deixa de ser ponto a ponto e episódica), como na abordagem aos assuntos (enriquece-se com os contributos directos e activos de envolvidos e interessados).
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