sexta-feira, 10 de outubro de 2008

COORDENADAS DO PENSAMENTO DE ADORNO (II)

[continuação da mensagem de 7 de Outubro]

Na Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer desenvolvem uma análise das ligações entre anti-semitismo, paranóia das massas, ilusões projectivas e homossexualidade, que ajudam a explicar a “mentalidade dos rótulos” da era pós-guerra. A secção teórica daquele livro, “Elementos de anti-semitismo”, foi escrita com a ajuda de Leo Lowenthal.

Para Adorno, o dadaísmo e o surrealismo não tiveram as consequências libertadoras esperadas. A nova sujeição da arte ao mundo das mercadorias e ao papel de porta-voz da ideologia dominante constituem escravidão idêntica ao antigo jugo teológico (Teoria Estética, p. 284). O único movimento moderno que contou com toda a simpatia de Adorno foi o expressionismo (Jay, 1984: 130), corrente poderosa na Alemanha e na Áustria da sua juventude. Embora não se tenha envolvido tanto como Bloch, que manteve um debate com Lukács sobre as implicações do expressionismo nos anos 30, Adorno defendeu o mesmo modelo. Horkheimer assumiu posição semelhante.

Jay (1984: 155) detecta quatro pontos fundamentais na teoria da arte em Adorno: 1) momento mimético na arte e relação com a beleza natural, 2) desestatização da arte e relação com a modernidade, 3) ideia da experiência estética e relação com a teoria, e 4) conteúdo real da arte e relação com a autonomia. Para Adorno, há duas possibilidades de mimese: imitação da realidade social corrente e realidade natural transformada pelo social (Jay, 1984: 156).

Contrariamente a Adorno e Horkheimer, para quem a indústria cultural e a produção de bens culturais constituem uma esfera da reificação total, Benjamin – que ignorava os trabalhos que deram origem à Dialética do Esclarecimento – escrevia sobre a função dos meios de reprodução mecanizados aplicados ao domínio da arte: fotografia, cinema. Como escreve Jimenez (1983: 88), Benjamin, ausente do discurso de uma só forma de falar em arte e estética, interrogou-se acerca de outros discursos, sistemas, teorias e doutrinas, críticas ou não, inseridas no mecanismo de reprodução e acumulação culturais, mecanismo de produção e difusão de um saber estético.

Durante mais de dois séculos, a estética fora "positiva", talvez porque os estetas não tivessem ainda dispositivos críticos elaborados para questionar a coerência do sistema. Para Marc Jimenez (1983: 89), e para além de "positiva", a estética e a filosofia eram de ordem "afirmativa": "positiva" porque pretendia um saber cuja matriz se traçava com a ajuda de conceitos; "afirmativa" porque participava no desenvolvimento e expansão da cultura.

A produção industrial dos bens culturais, na sociedade moderna, aparece como uma confirmação definitiva da crise de autonomia burguesa da arte, continua Jimenez (1983: 185). A Dialética do Esclarecimento antecipa as aporias da Teoria Estética (1970): a ideia de uma obra de arte avançada cujo carácter dependia da evolução das forças produtivas técnicas entra em contradição com a concepção da racionalidade como geradora da reificação e do domínio.

Nostalgia, recordação da natureza, imagens idílicas de um passado acabado dificilmente rompem a máscara cínica da dominação. A industrialização da arte e da cultura testemunha a crise da autonomia burguesa e da "regressão" irreversível da "razão na ideologia" (Dialética do Esclarecimento, p. 19).

Leituras:
Max Horkheimer e Theodor W. Adorno (1985). Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed
Marc Jimenez (1977). Para ler Adorno. Rio de Janeiro: Francisco Alves
Marc Jimenez (1983). Vers une esthetique negative. Adorno et la modernité. Paris: Le Sycomore
Martin Jay (1984). Adorno. Cambridge, MA: Harvard University Press


Observação: o texto reflecte um escrito meu antigo, de mais de 20 anos, em que segui de muito perto Marc Jimenez e Martin Jay.

Sem comentários: